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Sobre os Pensamentos Metafísicos de Espinosa

  • Nícolas Teixeira Cabral
  • 15 de nov. de 2017
  • 14 min de leitura

Espinosa é de origem castelhana; seu nome vem da cidade de Espinoza de los Monteros, de onde sua família emigrou no fim do século XV para Portugal, e daí, no século XVI, para os Países Baixos, onde nasceu Benedito de Espinosa (Baruch Spinoza). Judeu (renegado pela comunidade judaica local), português (e, por conseguinte, católico) e holandês, Marilena Chauí diz que Espinosa "foi a única exceção à regra que liga cada pensador moderno a seu povo".

A obra Pensamentos Metafísicos é na verdade um apêndice aos Princípios da Filosofia Cartesiana, um curso dado por Espinosa a um aluno particular, obviamente sobre Descartes. Talvez isso contribua para a confusão que eventualmente é separar o pensamento cartesiano do pensamento espinosano ao ler os Pensamentos.

Espinosa, Spinoza, Benedito, Baruch etc.

Como o nome diz, a obra trata de metafísica, um ramo em geral intragável da filosofia. Discute-se o "ente", a "essência", a "causa" e os "atributos" das coisas etc. Um assunto chato e muitas vezes desimportante, como concordaria Hume. Ainda assim, há questões interessantes nesse texto de Espinosa, principalmente sobre a distinção entre o que é verdadeiro e o que é falso e uma breve passagem sobre livre-arbítrio muito instigante, apesar de breve.

Um exemplo de questão sobre o real e o falso: Espinosa distingue o ente (real) do "ente de razão", que nem sequer seria um ente, mas apenas um modo de pensar, um ideal da mente que nos facilita o entendimento do que é de fato real. O autor diz: "investigar a natureza das coisas é diferente de investigar os modos pelos quais nós as percebemos".

Dou um exemplo disso recorrendo à Óptica de Newton: investigar a cor é diferente de investigar os diversos comprimentos de onda de luz. A cor é apenas uma invenção do nosso cérebro, a forma que a evolução encontrou de fazer com que percebêssemos diversos comprimentos de onda de luz, o que seria útil à nossa sobrevivência e reprodução.

O que nós, humanos, percebemos como violeta é uma onda eletromagnética do menor comprimento que conseguimos enxergar, enquanto um papagaio pode ver ondas além do violeta, e assim, talvez, ver cores que nem conseguimos imaginar, pois nossa mente não tem sequer capacidade de concebê-las. Assim, o mundo que concebemos em termos de vermelho, amarelo, verde, azul e violeta seria visto pelo papagaio em muitas outras cores que nem conhecemos.

Da mesma forma, ao ver um camundongo em um canto escuro, nossos bastonetes esforçam-se para ver variações de luminosidade, e enxergamos o animal com certa dificuldade. Enquanto isso, uma cascavel usaria suas fossetas loreais para detectar ("ver") o calor do camundongo, facilmente identificando-o em um canto escuro.

O ente, o camundongo, que de fato existe, é um só. A visão pobre que temos dele no escuro ou a "visão" de seu calor por uma cascavel são apenas ficções, criações. Mas sempre tomamos a nossa visão como a "realidade".

Richard Dawkins explica que vemos o "mundo médio", porque evoluímos para perceber o mundo no tamanho e na velocidade que foi útil para que nossos ancestrais sobrevivessem. Sabemos que uma parede sólida é composta de núcleos atômicos com espaços relativamente gigantes entre si, mas vemos e sentimos a parede como uma construção sólida e intransponível, pois, realmente, para nós, ela é intransponível. Dawkins pondera que se um organismo do tamanho de um neutrino tivesse desenvolvido um cérebro, adaptado para o mundo visto na escala de um neutrino, a parede seria percebida como um grande espaço vazio, pela qual o minúsculo organismo poderia passar entre os núcleos atômicos, ao invés de uma construção intransponível.

Sabendo que nossos sentidos nos dão uma percepção subjetiva do mundo, segundo as necessidades que nossa espécie encontrou para sobreviver e se reproduzir, a questão do que é verdadeiro e do que é falso se torna nebulosa. Se questões aparentemente tão simples, como a cor de uma folha de árvore, podem suscitar dúvida (ela é dessa cor mesmo ou seria diferente se enxergássemos além do violeta?), como poderemos falar de coisas mais complexas, que envolvem uma percepção muito mais sofisticada, como a natureza do homem, sem duvidar profundamente do que nós próprios dizemos?

Ao contrário da filosofia natural da Óptica de Newton, os Pensamentos de Espinosa, por tratarem de metafísica, são muito dependentes de conceitos criados livremente, sem nenhuma evidência de existência real, como o próprio conceito de Deus (ainda que Newton também atribuísse a Deus a origem das coisas, ele se esforçava para explicar os fenômenos físicos e químicos em termos de leis naturais). Há nos Pensamentos uma grande exposição sobre os atributos de Deus e de como eles se inserem imperfeitamente na matéria, que é criação de Deus, e de como seu intelecto é ou não qualitativamente diferente do intelecto humano. Essas declarações metafísicas formam um sistema em que elas são logicamente relacionadas, e o grande esforço de Espinosa parece ser ligar todas essas informações metafísicas de forma a evitar contradições e esgotar as possibilidades de questionamento. Assim, temos uma explicação do mundo impecável, porém baseada em conceitos criados sem rigor empírico nenhum.

Eu me lembro uma vez, quando eu dava monitoria em uma escola particular aqui de Uberlândia, de ver um professor fazer a outro uma pergunta sobre espiritismo. Esse professor respondeu à pergunta de forma extremamente racional, explicando minuciosamente como a alma se ligava ao corpo e como era possível reencarnar e lembrar ou não de sua vida passada. O primeiro professor questionava pontos que não entendia bem na resposta, e seu interlocutor lhe explicava aos detalhes, sem se contradizer. Da mesma forma que a metafísica de Espinosa, o kardecismo é um sistema de conceitos perfeitamente relacionados, um explicando o outro; não há, porém, evidência da existência real de espíritos; trata-se de uma crença pessoal.

Uma parte interessante dos Pensamentos de Espinosa está no Capítulo III da Parte I, onde Espinosa define o que é impossível, possível, contigente e necessário. O que acho interessante nesse trecho é a negação de Espinosa sobre qualquer coisa ser possível. Para ele, tudo o que é é necessariamente, pois depende de uma causa, sendo essa causa causada por outra causa e assim por diante, até chegar inevitavelmente a Deus, pois Deus é a causa de tudo haver começado e de tudo manter-se, de forma que a causa inicial de qualquer coisa seria ultimamente Deus (ele retoma isso no Capítulo IX da Parte II). Como Deus é perfeito, constante e imutável (declaração metafísica, impossível de se refutar senão no "mundo das ideias"), não pode haver "dúvida" sobre a existência ou não de uma coisa: ou ela sempre existiu ou ela nunca existirá, pois o decreto divino que dá origem a todas as coisas existe desde a eternidade.

Isso, no meu entendimento, significa destino (tecnicamente, é determinismo). O que é é, e não poderia ser de outra forma. É claro que é possível conceber essa mesma teoria sem depender daquele conceito de Deus, ainda que qualquer conceito sobre a origem das coisas envolva necessariamente (ao menos hoje) uma boa dose de especulação e de convenções.

Pois bem, suponhamos que há bilhões de anos o Universo tenha iniciado uma velocíssima expansão a partir do ponto de singularidade, o que determinou as leis da gravidade e do eletromagnetismo e todas as propriedades da matéria, da energia e do tempo que conhecemos hoje e que são aparentemente imutáveis. Podemos concordar que, se essas leis existem desde o Big Bang, o Universo se expandiu e se criou da única forma que poderia ter acontecido, seguindo essas leis. Mesmo que essas leis não fossem constantes (suponhamos que o valor da constante gravitacional se alterasse), é razoável supor que tenha havido uma causa para essa alteração, e essa causa tem de haver surgido em consequência das leis em vigor anteriormente, de forma que, de toda maneira, se o Universo segue regras físicas que não podem ser arbitrariamente modificadas, há apenas um curso que ele pode ter seguido desde o seu surgimento. Assim, cada átomo, cada partícula subatômica, cada supernova, cada formação de planeta, cada choque interestelar, cada minúsculo detalhe do Universo teria acontecido da única maneira que poderia ter acontecido. Dessa forma, não haveria outra opção possível, senão a vida ter aflorado na Terra, por efeito das incoercíveis leis naturais, que juntariam átomos de carbono de maneira a formar seres cada vez mais complexos, seguindo um destino cego selado pelas constantes definidas no Big Bang.

Esse é um pensamento um tanto bizarro. Não obstante, é algo que pode ser imaginado com facilidade, e que faz sentido. A tese de que o mundo segue um destino selado logo em seus primeiros momentos, porém, torna-se mais inquietante quando pensamos em seres altamente evoluídos, autoconscientes, com capacidade de deliberação, os quais poderiam, através de cálculos e projeções, escolher entre dois caminhos possíveis: seres dotados de livre arbítrio.

Espinosa trata disso na sequência, afirmando a existência da liberdade da vontade humana, porém subjulgada ao decreto eterno de Deus. É, como podemos ver, um paradoxo: como podemos ser livres para querer e pensar, ao mesmo tempo em que queremos e pensamos apenas aquilo que Deus decretou na eternidade? Espinosa (citando na verdade o pensamento cartesiano) não consegue explicar isso: "como a vontade humana é criada a cada momento por Deus de tal modo que se mantenha livre, também o ignoramos", mas mantém as duas afirmações: "não devemos rejeitar aquilo que compreendemos clara e distintamente por causa daquilo que ignoramos". Ao contrário do que esperaríamos de Newton, Espinosa não se incomoda em explicar sua afirmação.

Bem, não há dúvida de que nós, seres humanos, pensamos (Espinosa retoma isso no Capítulo XII da Parte II). Deliberamos e decidimos entre várias opções: continuar dormindo ou se levantar, beber café ou cerveja, sair à noite ou permanecer em casa etc. Porém, não estariam nossas decisões e as ações delas decorrentes predeterminadas? Não estariam predeterminadas pelos nossos genes, pelo nosso humor no momento, pela nossa herança cultural e pelas nossas decisões passadas, também ora predeterminadas? Existe realmente um ponto em que uma decisão humana poderia ser tomada e que, se voltássemos no tempo sem nos darmos conta disso, permitiria que outra realidade fosse criada?

Pois, estando nós também sujeitos às leis do Universo, descendemos de uma série de aglomerados químicos superdesenvolvidos, mas previstos pelas leis gerais do cosmos. E nosso cérebro foi criado também por essas leis, que só haveriam de criar um cérebro humano, e de pô-lo nos crânios de sete bilhões de humanos, todos nascidos de acordo com as mesmas leis universais. E, sendo o cérebro uma estrutura sujeita às leis da química e da física, tudo que acontece nele foi também previsto no surgimento do Universo, pois todas as reações químicas e impulsos elétricos que geram nossos pensamentos mais complexos (ajudando nas decisões mais difíceis) seguem leis fixas; portanto, todo pensamento que temos é o único pensamento que poderíamos ter, e toda decisão que tomamos é a única decisão que poderíamos tomar, e toda a história da humanidade, assim como a de todo o Universo, é a única história que poderia ser.

Mesmo se considerarmos que existe acaso no Universo, que os elétrons se movimentam de forma aleatória e que, portanto, voltando em um ponto do passado, um elétron poderia se mover de forma diferente da que havia movido na primeira realidade, o que mudaria intensamente e imprevisivelmente o andamento do Universo em uma linha do tempo longa o bastante, impossibilitando a existência da Terra, por exemplo, ainda assim a questão da livre escolha humana é questionável. Afinal, decerto que nossos pensamentos influem no funcionamento do cérebro, porém nós não escolhemos o que pensar; nós visualizamos o que pensamos, e podemos até apontar direções em que desejamos que nosso pensamento siga, mas não podemos controlá-lo. Os elétrons, aleatoriamente ou não, continuam com a batuta elétrica que rege nossos pensamentos e nossas emoções e, assim, nossas decisões.

Nietzsche apresenta esse mesmo pensamento em Além do bem e do mal: "um pensamento ocorre apenas quando quer e não quando 'eu' quero". Mesmo que se pense "vou pensar sobre isto", o próprio pensamento "vou pensar sobre isto" surgiu espontaneamente, sem determinação do sujeito pensante. Somos apenas veículos para os pensamentos. Nós não os controlamos.

Dessa forma, mesmo aceitando que as partículas subatômicas tenham aleatoriedade, a despeito das leis do Universo, podendo seguir mais do que um curso natural unicamente possível, regido por essas leis, e que, assim, existiria ao menos a possibilidade de mais do que um caminho único para o desenvolvimento do Universo, ainda assim não poderíamos reputar esse poder de decisão como sendo da entidade que denominamos eu (ou o outro), pois que poder temos sobre as reações químicas e impulsos elétricos que, fora de qualquer controle consciente, criam a própria consciência? Como podemos dizer que o eu, a pessoa humana, escolhe algo, se sua própria consciência é produto de eventos químicos e físicos sobre os quais não temos controle algum? Se, mesmo considerando que nossos pensamentos conscientes possam alterar a dinâmica químico-física do cérebro, esses pensamentos tiveram gênese incontrolável no cérebro ainda inconsciente, que moldou a consciência de cada um da forma que ela é, predisposta a seus próprios tipos de pensamentos?

Assunto fascinante, o livre arbítrio.

Continuando na obra de Espinosa, no Capítulo VI da Parte I há outra citação interessante: "bom e mau se dizem apenas num sentido relativo". Lembro-me de Raul cantar, aparentemente de forma irônica, em crítica à alta subjetividade que percebia em sua época (o "Novo Aeon"), que "não tem certo nem errado, todo mundo tem razão". A questão se existe algo objetivamente bom ou mau ou em relação a que se pode dizer que algo é bom ou mau também rende uma boa discussão.

Espinosa diz que "uma coisa considerada isoladamente não é dita ser boa nem má, mas somente em sua relação com uma outra à qual ela é útil ou nociva para a obtenção daquilo que ama". Por exemplo, o gol da Argentina contra o Brasil é bom para os argentinos, mas ruim (ou mau) para os brasileiros.

Porém, ao tratarmos de humanos em sociedade, os conceitos de bom e mau normalmente estão ancorados em juízos morais. O policial que prende o ladrão é bom, ainda que pelo conceito espinosano ele fosse mau para o ladrão.

Um caso interessantíssimo, ligado aos acontecimentos políticos atuais no Brasil, vem à mente: o delator de um crime investigado pela Operação Lava Jato, ele é bom ou mau?

Pelo conceito espinosano, mais simplório, a delação verdadeira é evidentemente boa para os investigadores e toda força estatal que busca punir os criminosos, e evidentemente má para os criminosos que terão na delação uma evidência maior de sua culpa no crime, já que isso aumentará suas chances de prisão, a qual não deve ser desejada por eles.

Levando em conta uma visão moral, típica de humanos em sociedade, a questão fica mais difícil. Aos olhos da população em geral, imagino que a delação, considerada à parte, seja considerada boa. Porém, muita gente pode considerar a delação de uma sordidez que não compensa o benefício investigativo que ela encerra, ainda que tenha interesse em ver os criminosos presos. O criminoso, mesmo tendo ferido algum mandamento importante de nossa sociedade, ainda faz parte dela; a delação seria uma forma de se retratar pelo erro cometido, ou seria um erro a mais a cometer? Assim, chegamos a uma questão jurídica interessante: é certo que o Estado estimule a traição entre os criminosos, como acontece com a delação premiada?

Beccaria tratou disso em seu célebre Dos delitos e das penas, no Capítulo XIV:

"[...] Esse expediente apresenta certas vantagens; mas, não está isento de perigos, de vez que a sociedade autoriza desse modo a traição, que repugna aos próprios celerados. Ela introduz os crimes de covardia, bem mais funestos do que os crimes de energia e de coragem, porque a coragem é pouco comum e espera apenas uma força benfazeja que a dirija para o bem público, ao passo que a covardia, muito mais geral, é um contágio que infecta rapidamente todas as almas. [...]

Por outro lado, a esperança da impunidade, para o cúmplice que trai, pode prevenir grandes crimes [...].

Esse uso mostra ainda aos cidadãos que aquele que infringe as leis, isto é, as convenções públicas, já não é fiel às convenções particulares. [...]

É, porém, em vão que procuro abafar os remorsos que me afligem, quando autorizo as santas leis [...] a proteger a perfídia, a legitimar a traição. [...]"

Podemos perceber que, por um lado, Beccaria pondera que a autorização da delação minoraria o ímpeto de se unir para cometer crimes, pois a possibilidade de algum dos criminosos trair os outros seria maior. Por outro lado, Beccaria abomina que a lei estimule a traição entre os membros da mesma sociedade.

Na continuação dos Pensamentos, já na Parte II, Espinosa trata da eternidade de Deus. Para Espinosa, a eternidade de Deus é a identificação de sua essência com sua existência, coisa que é exclusiva de Deus. Todas as outras coisas primeiro têm essência (que seria sua "concepção" no intelecto divino, o que faz a essência também ser eterna, pois Deus é perfeito e imutável) e então passam a existir. Deus não, pois sua essência e sua existência são a mesma coisa; de fato, a existência de Deus é a essência de Deus, o que não é verdade em relação a nenhum outro ente.

Espinosa ainda nega a atribuição de duração a Deus. Deus não é eterno porque tem uma duração imensamente longa, até porque, como o autor explica, pode haver sempre uma duração mais longa do que a mais longa das durações que imaginamos, assim como sempre poderá haver um número maior do que o maior número que imaginamos. A eternidade de Deus consiste, então, segundo Espinosa, na identificação de sua essência com sua existência, o que impossibilita a atribuição de qualquer duração a Deus, pois esta é um atributo da existência, não da essência.

Essa definição de eternidade é útil para identificarmos a diferença entre o que é muito, muito, muito, para-além-do-pensamento longo e o que é eterno. A diferença entre um número estupidamente, despropositadamente grande e o infinito, da mesma forma, é uma questão qualitativa: por maior que seja, o número grande é finito.

O Capítulo IV dessa Parte II traz outra questão interessante: a imutabilidade de Deus. Espinosa diz, e isso já foi dito aqui também, que Deus é imutável, ou seja, nada pode mudar Deus, nem mesmo ele próprio. E assim põe-se em cheque sua onipotência (Cap. IX, Parte II): como Deus pode ser onipotente, se não pode mudar a si próprio? Mais do que isso, não podendo mudar a si próprio, não pode mudar nada no mundo, pois isso significaria uma mudança de sua vontade. Como Deus pode ser onipotente se não tem controle nem sobre a própria vontade, tal qual um mero humano regido por reações químicas e impulsos elétricos em seu cérebro?

Outra questão, parecida com a última: como Deus pode ser onipotente, capaz de mudar qualquer coisa, e ao mesmo tempo ser onisciente, sabendo de tudo no passado, no presente e no futuro? Ele poderia agir contra o que ele já havia previsto?

Pode-se argumentar a favor dos atributos de Deus que Ele poderia mudar qualquer coisa, mas que isso já estaria previsto em seu conhecimento do futuro. Mas, nesse caso, ainda assim ele não teria a opção de não agir; de todo jeito, tudo que Ele poderia fazer teria que ter sido antes previsto por sua onisciência e, assim, Deus não teria liberdade de "mudar de ideia" e, portanto, não seria onipotente. Ou, outra alternativa, Deus poderia "mudar de ideia", e assim seria onipotente, mas teria surpresas em relação ao que sabe, não sendo então onisciente.

Outra questão, colocada de forma bastante midiática e até pueril por "ativistas anticristãos": sendo Deus onipotente, Ele poderia criar uma pedra tão pesada que nem ele mesmo possa carregar?

Dizer de "uma pedra tão pesada que nem ele mesmo possa carregar", quando falamos de onipotência, é um paradoxo, uma quimera que só é possibilitada pela capacidade humana de formar palavras em combinações inumeráveis. Essa sentença é tão absurda quanto a expressão círculo quadrado: algo que podemos pôr em palavras, mas que não é sequer concebido pela nossa mente, pois é um absurdo.

Semelhante questão poderia ser colocada de diversas formas: pode Deus dividir um pedaço de matéria em pedaços tão miúdos que nem Ele mesmo consiga enxergar? Deus, onipotente, poderia pegar uma gota de água e dividi-la até os átomos e então dividir um único átomo em metades milhões de vezes, e a cada vez aproximar-se mais daquele pedaço de matéria, para conseguir enxergá-lo, e continuá-lo enxergando por mais que o dividisse, em uma sequência que simplesmente não tem fim.

Da mesma forma, não existe limite nem para a massa da pedra que Deus pode criar, nem para a massa que ele consegue levantar: ambas são infinitas; portanto, conceber uma pedra tão pesada que nem Ele mesmo possa levantar é tão absurdo quanto conceber um círculo quadrado: há uma contradição intrínseca à sentença.

Se se dissesse: "pode Deus criar uma pedra de milhões de toneladas?", a resposta seria afirmativa. Pode Deus levantar essa mesma pedra? Novamente, a resposta é afirmativa. Porém, dizer de uma pedra tão pesada que nem Deus consiga levantar encerra uma contradição intrínseca à afirmação, de forma que, considerando o pressuposto da onipotência de Deus, isso seja impossível de imaginar.

Já a questão da incompatibilidade entre a onisciência e a onipotência, contra essa não tenho o que falar. Não vejo como resolver o paradoxo de um ser ao mesmo tempo onisciente e onipotente. Mas Espinosa diria que Deus é onipotente porque criou tudo segundo seu próprio decreto, decorrente de sua vontade, que é livre. Não haveria o que mudar nem razão para mudar nada, pois Deus é perfeito; questionar se ele pode mudar algo (ou seja, mudar a si mesmo), é questionar sua perfeição, o que seria um absurdo.

Por fim, Espinosa explica que o intelecto de Deus se identifica com sua potência e sua vontade. Deus sabe de tudo, e é esse saber que cria as coisas, segundo sua própria vontade, que é livre. Ou seja, para Espinosa, Deus saber de algo é o mesmo que esse algo existir. Assim, Ele é onipotente, pois tudo decorre de sua vontade livre, ou seja, tudo decorre de seu intelecto, do que Deus sabe: dessa forma, a onisciência de Deus se identifica com sua própria onipotência.

Figura: Espinosa por volta de 1665. Imagem em domínio público.


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