Linguagem comparada #1: Perfeitos compostos
- Nícolas Teixeira Cabral
- 29 de nov. de 2017
- 7 min de leitura
Os tempos verbais Present Perfect, do inglês, Passé Composé, do francês, Passato Prossimo, do italiano, e Pretérito Perfeito Composto, do português, são bem parecidos morfologicamente. Todos podem ser formados por verbos de sentido semelhante ao haver/ter (to have, avoir, avere) ou, no caso do francês e do italiano, também com verbos semelhantes ao ser (être, essere) como auxiliares, seguidos do particípio do verbo principal.

Apesar da semelhança morfológica, o sentido de cada um desses tempos verbais é distinto em cada idioma. Por exemplo: enquanto o Present Perfect e o Passato Prossimo podem ser usados para se referir a ações que se iniciam no passado e continuam acontecendo no presente, o Pretérito Perfeito Composto pode ser usado apenas nesse sentido, e o Passé Composé se refere na maior parte das vezes a ações já completadas no passado, e não a ações ainda em curso.
Quais são as semelhanças e as diferenças na estrutura desses tempos verbais? Em quais situações eles são usados em cada idioma? Quais tempos verbais os substituem nas outras línguas?
Hoje, vamos comparar a gramática desses perfeitos compostos.

Homem fotografando cachorros folgados ao sol de outono de Palermo, Itália, em frente ao Teatro Massimo.
1. Estrutura do Present Perfect
O Present Perfect é formado pelo verbo to have no Simple Present (have/has), acompanhado pelo Past Participle do verbo principal:
I have gone...
She has been...
We have taken...
O verbo to have do inglês é bem parecido com os verbos avoir e avere, do francês e italiano, todos indicando posse quando usados como verbo principal. Apesar disso, o verbo to have tem uma raiz germânica distinta do habere latino do qual se derivaram avoir e avere. O verbo português haver também é derivado de habere, assim como o espanhol haber, porém hoje é menos comumente utilizado para indicar posse do que o verbo ter, servindo mais como auxiliar de alguns tempos verbais ou para indicar existência, na forma impessoal: "há pessoas lá de fora".
2. Uso do Present Perfect
O Present Perfect do inglês é um dos tempos verbais mais difíceis de entender quando brasileiros estudam inglês. Não temos um tempo verbal igual, então utilizamos vários, um para cada função que o Present Perfect tem no inglês.
O Present Perfect nos informa sobre o passado e sobre o presente. Usamos para ações passadas com importância presente:
The guests have arrived. Let's meet them.
That new store I told you about has opened. I want to check it out.
Em português, nesse caso, usaríamos o Pretérito Perfeito Simples:
Os convidados chegaram. Vamos encontrá-los.
Também o usamos para nos referir ao passado recente, usando advérbios como recently, just etc.:
I've just eaten three pieces of pizza, I'm not hungry.
Carol has recently been to Africa and she told me it's amazing.
O Present Perfect também é usado para estados que se iniciam no passado e continuam no presente:
My father has had this old bike for decades. (=he still has it)
I've known Emily since high school.
Em português, usaríamos o Presente do Indicativo:
Meu pai tem esta bicicleta há décadas.
Podemos usar o Present Perfect para ações repetidas no passado que podem ocorrer novamente:
Brad Pitt has already made 30 movies; Marlon Brando made 50. (=Brando já faleceu e não faz mais filmes)
I've asked her to marry me twice already; I hope she'll accept this time.
Em sentido semelhante, o Present Perfect pode ser usado quando perguntamos (e respondemos) se algo ocorreu em uma linha do tempo que começa em um passado remoto e vai até o presente, muitas vezes usando o advérbio ever:
– Have you ever seen the rain?
– Yes, I've seen it, like, innumerous times.
They have never tried to fix this.
Nos últimos dois casos, também usaríamos o Pretérito Perfeito Simples:
Brad Pitt já fez 30 filmes.
Você já viu a chuva?
3. Estrutura do Passé Composé
O Passé Composé é formado pelo verbo avoir ou pelo verbo être no presente do modo indicativo, mais o Participe Passé do verbo principal:
J'ai vu...
Elle est allée...
Nous avons été...
Ils sont revenus...
Em regra, o Passé Composé utiliza o verbo avoir como auxiliar; o verbo être é utilizado para verbos que indicam movimento (e.g. aller, arriver, venir e derivados, partir etc.) e para quatro verbos de estado: devenir, rester, naître e mourir.
Alguns verbos de movimento são conjugados com avoir quando têm objeto direito: (r)entrer, descendre, montrer, passer, retourner, sortir. Constantemente a mudança de transitividade e verbo auxiliar mudam o sentido do verbo:
Les femmes du chambre 114 sont déjà montées. (=as mulheres do quarto 114 já subiram)
Le portier a monté ta bagage dans la chambre. (=o carregador já levou sua bagagem ao quarto)
É importante lembrar que o particípio acompanhado pelo verbo avoir é impessoal, enquanto, quando acompanhado pelo verbo être, ele se modifica de acordo com o sujeito:
Elles ont eu une maison.
Elles sont arrivées chez eux.
Há uma exceção capciosa a essa regra: verbos de "percepção", como voir, écouter, regarder, seguidos de um infinitivo, concordam com seu complemento objeto direto, se este for também o sujeito do verbo no infinitivo:
L'actrice que j'ai écoutée chanter était marveilleuse.
J'ai les vues jouer.
4. Uso do Passé Composé
O Passé Composé é utilizado para se referir a uma ação terminada no passado, próximo ou distante. Diferentemente do Present Perfect, não há necessariamente uma aproximação dessa ação passada com o presente, seja temporalmente ou com alguma relação de sentido. Usa-se o Passé Composé para falar de fatos pontuais no passado, tal qual nosso Pretérito Perfeito Simples:
Je suis arrivé chez moi vers deux heures hier.
No inglês, um fato pontual como esse, especialmente com indicação específica de tempo, seria expresso com o Simple Past, e não com o Present Perfect:
I arrived home around two a.m. yesterday.
Assim como o Present Perfect, o Passé Composé pode indicar a repetição de eventos que aconteceram no passado e podem se repetir no futuro, e também serve para perguntar se algo já aconteceu em qualquer momento do passado:
Il a vu le Fight Club trois fois.
Avez-vous déjà mangé du canard?
Também como o Present Perfect, o Passé Composé pode indicar ações do passado com importância no presente:
Nous avons acheté une très grande maison, donc nous avons beaucoup de travaille maintenant.
O Passé Composé também é utilizado junto ao Imparfait para se referir a uma ação pontual que aconteceu enquanto outra ação estava em curso:
Il pleuvait quand nous sommes arrivés au théâtre.
Em inglês, utilizaríamos o Past Continuous e o Simple Past, não o Present Perfect:
It was raining when we arrived to the theater.
Em português utilizaríamos o Pretérito Perfeito Simples em todos esses casos do Passé Composé:
Cheguei a casa por volta das duas horas ontem.
Já vi Fight Club três vezes.
Nós compramos uma casa bem grande, então temos muito trabalho agora.
Chovia quando chegamos ao teatro.
5. Estrutura do Passato Prossimo
O Passato Prossimo é formado pelo verbo essere ou avere no Indicativo Presente, mais o verbo principal no Participio Passato:
Io ho cambiato...
Loro sono arrivati...
Noi abbiamo bevuto...
Lei è venuta...
Usa-se o verbo essere na maior parte dos casos em que o verbo principal é intransitivo, principalmente se indica modo, estado ou mudança de estado:
Lei è stata malata.
Sono nato in Palermo.
Também se usa essere em verbos reflexivos e com o verbo piacere:
Mi sono appena alzato e sono già stanco.
Mi è piaciuto molto il viaggio.
Tal qual no francês, quando o verbo essere é usado como auxiliar, o particípio concorda com o sujeito, o que normalmente não acontece com o verbo avere:
Loro hanno visto molte cose.
Loro sono già andati.
Quando o auxiliar é o avere e há um complemento objeto, o acordo é facultativo. Se o objeto é um dos pronomes lo, la, l', li, le, o acordo é obrigatório:
L'ho conosciuta ieri.
6. Uso do Passato Prossimo
O Passato Prossimo classicamente é usado para indicar ações passadas em relação com o presente, seja por um efeito importante no presente, seja por indicar um período de tempo que ainda não acabou:
Ieri ho mangiato troppo. (=e agora estou passando mal)
Questa settimana ha piovuto molto. (=a semana ainda não terminou)
Este uso se aproxima do uso do Present Perfect. A segunda frase, que indica um acontecimento que começou no passado e se repete no presente, lembra também a função iterativa do Pretérito Perfeito Composto.
No entanto, na língua falada italiana, é comum usar o Passato Prossimo para qualquer ação pontual passada, como substituto do Passato Remoto, que é utilizado quase exclusivamente na língua escrita:
Napoleone è nato in Ajaccio.
Este uso, por outro lado, se aproxima do uso do Passé Composé:
Napoléon est né en Ajaccio.
No português, esse caso pede o Pretérito Perfeito Simples:
Napoleão nasceu em Ajaccio.
7. Estrutura do Pretérito Perfeito Composto
O Pretérito Perfeito Composto é formado pelo verbo ter no Presente do Indicativo, mais o verbo principal no particípio:
Eu tenho visto...
Ela tem dito...
Nós temos consertado...
8. Uso do Pretérito Perfeito Composto
O Pretérito Perfeito Composto indica um fato que se inicia no passado e se repete até o presente:
Temos caminhado juntos todo dia.
Tenho dormido tarde nas últimas semanas.
Ao contrário do Pretérito Perfeito Simples, tem sempre sentido iterativo, de uma ação que se repete:
Tenho comido muito. (=comi muito nos últimos dias)
Comi muito. (=esta pode ser uma ação pontual)
Também indica sempre uma ação que se repete até o presente:
Eles têm perdido muitos jogos. (=os últimos jogos foram perdidos)
Eles perderam muitos jogos. (=em algum momento do campeonato, muitos jogos foram perdidos)
No inglês, o mesmo sentido do Pretérito Perfeito Composto pode ser obtido com o Present Perfect ou com o Present Perfect Continuous:
They have lost many games.
They have been losing many games.
No italiano, o Passato Prossimo também daria o mesmo sentido.
Hanno perso molti giochi.
O Passé Composé, porém, não poderia ser usado nesse caso com esse sentido.
Figuras pelo autor.
Referências
DELATOUR, Y. et al. Nouvelle grammaire du français: Cours de Civilisation Française de la Sorbonne. Paris: Hachette, 2004. 367 p.
EASTWOOD, J. Oxford guide to English grammar. Oxford: Oxford University Press, 1994. 446 p.
MEZZADRI, M. Grammatica essenziale della lingua italiana con esercizi: testo di grammatica per studenti stranieri dal livello elementare all'intermedio. 2. ed. Perugia: Guerra, 2008. 219 p.
SACCONI, L. A. Nossa gramática completa Sacconi. 29. ed. São Paulo: Nova Geração, 2008. 592 p.