top of page

Meus poemas preferidos de Paulo Leminski

Não lembro como conheci Leminski. Sei que desde o começo me apaixonei pela sua poesia simples, direta, pelos poemas curtos e pela originalidade com que brincava com as palavras. Poesia pura, básica.

Depois, conheci Itamar Assumpção, um dos meus cantores brasileiros favoritos. Itamar musicou um e outro poema de Leminski e um e outro de Alice Ruiz, companheira de vida de Paulo. Passei a gostar ainda mais do poeta.

Muito diferentemente das influências clássicas de Vinicius, a poesia de Leminski é vanguardista. Não conheço sequer um soneto de Leminski; de fato, os únicos poemas de forma rígida de Leminski são os haicais. Mesmo assim, seus haicais não seguem o tradicional 5-7-5 sílabas poéticas; são apenas poemas de três versos curtos, furtivos, de temas desimportantes e muita originalidade, como quase toda a obra do poeta.

Aqui, reuni alguns dos meus poemas preferidos de Paulo Leminski. Todos foram tirados do livro Toda Poesia / Paulo Leminski, publicado em 2013, que contém toda a obra do autor.

aqui

Um dos primeiros poemas que conheci de Leminski. Meu primeiro contato com ele, muitos anos antes de saber quem era Paulo ou mesmo o significado de poesia, foi ao ver Nino e Gato, do Castelo Rá-Tim-Bum, lerem este poema na biblioteca do castelo.

Publicado pela primeira vez no livro Polonaises, de 1980, esse poema é tipicamente Leminskiano: conciso, de forma livre, de conteúdo leve, e imensamente poético, daqueles poemas que nos deixam escapar sorrisos ao final da leitura.

aqui

nesta pedra

alguém sentou

olhando o mar

o mar

não parou

pra ser olhado

foi mar

pra tudo quanto é lado

Genial como em versos tão poucos o poeta inclui a antítese do garoto que para para observar o mar e do mar que não para para ser olhado, a personificação do mar que se recusa a ficar estático, e a imagem do "mar pra tudo quanto é lado", que parece uma frase que só uma criança diria, equiparando o imenso mar a algo pequeno como um copo de água.

acordei bemol & ameixas

Esses dois poemas, que juntos têm apenas 26 sílabas poéticas, menos de três versos de um soneto, são o maior símbolo da ludicidade com que Leminski tratava as palavras. Não se trata de metáforas elaboradas nem significados ocultos, nem mesmo é preciso haver um sentido para o poema. Basta juntar palavras que pareciam injuntáveis, que nos fazem rir quando postas com originalidade, que soam bem aos ouvidos e nos fazem escapar aquele sorrisinho ao final da leitura.

No primeiro poema, bemol e sustenido, jargões da música, são postos como estados de espírito, mas soam tão bem que nem parecem estar fora de seu contexto normal. No terceiro verso, sol faz a conexão entre o mundo da música e o mundo alheio a ela, servindo tanto como nota musical quanto como estrela.

acordei bemol

tudo estava sustenido

sol fazia

só não fazia sentido

No segundo poema, Leminski parafraseia o lema da ditadura, Brasil, ame-o ou deixe-o, com um jogo de palavras que é sacana de tão simples e perfeito.

ameixas

ame-as

ou deixe-as

bem no fundo

Finalmente, um poema de mais que um punhado de versos. Finalmente, também, um poema com título (os outros "títulos" eram os primeiros versos de cada poema).

O que me encanta nesse poema é sua última estrofe, que antropormofiza os problemas e satiriza sua natureza insolúvel e acumulativa:

mas problemas não se resolvem,

problemas têm família grande,

e no domingo saem todos passear

o problema, sua senhora

e outros pequenos probleminhas

Eu imagino um ser gordinho de óculos, bigode e gravata, de braço dado a uma senhora gordinha de sombrinha, e três pequenas bolotinhas de boné ou laço na cabeça, passeando no domingo.

razão de ser

Como não pode deixar de ser, como todo escritor, Leminski também nos deixou uma pista da razão pela qual ele escreve: nenhuma.

Escrevo. E pronto.

O poeta confirma a longa associação da poesia com a embriaguez, tão clara na imagem dos clássicos poetas malditos e no próprio, mais contemporâneo, Vinicius de Moraes:

Escrevo porque preciso,

preciso porque estou tonto.

Escrevo porque amanhece,

e as estrelas lá no céu

lembram letras no papel,

A continuação, falando de estrelas no céu que lembram letras no papel, faz lembrar a última estrofe do Poema de sete faces de Drummond:

Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo.

Leminski compara seu ato de escrever a algo tão natural quanto o tecer de teia da aranha. Isso casa com a apresentação de Alice Ruiz do livro Toda Poesia, quando diz que a vida de Paulo foi "totalmente dedicada ao fazer poético".

A aranha tece teias.

O peixe beija e morde o que vê.

Eu escrevo apenas.

Tem que ter por quê?

um homem com uma dor

Outro poema sem título, ainda que sua versão musicada, cantada por Zélia Duncan no álbum Pretobrás - Por que que eu não pensei nisso antes, de Itamar Assumpção, tenha o título Dor elegante.

O poema é sobre a dor humana, que seria mais um adorno, um prêmio, algo digno de orgulho, do que algo digno de lamentação. Sofrida, sim, mas esse sofrer é o que a torna querida:

sofrer vai ser a minha última obra

Existe de fato um aspecto fascinante na dor. Ela parece enobrecedora, principalmente quando enfrentada de cabeça erguida, quando é abraçada com coragem ao invés de evitada. Mártires que sofrem e morrem por causas em que acreditam despertam admiração e, se não são vistos como exemplos, pelo menos são vistos como heróis: Tiradentes, Joana D'Arc, Jesus etc.

Superar a dor é como superar qualquer outro obstáculo que se impõe diante de nós. E quanto mais obstáculos, maior o valor da vitória.

É chato chegar a um objetivo num instante.

Por isso, um homem com uma dor é muito mais elegante.


bottom of page