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Déjà vu, Eterno Retorno e Eclesiastes 1:9

Há algumas semanas, vi no Quora alguém perguntar: "qual é a sua ideia filosófica preferida?".

Uma das respostas mais bem votadas a essa pergunta cita a ideia do déjà vu e diz em seguida: "alguns filósofos e religiões trazem a ideia de que tudo voltará em ciclos ao longo do tempo".

E continua: "essa ideia é conhecida simplesmente como 'Eterno Retorno'".

Porém, não é.

Apesar de terem semelhanças, os conceitos de déjà vu, Eterno Retorno e da repetição cíclica da história são muito distintos entre si.

Déjà vu

Déjà vu significa "já visto" em francês. Genericamente, diz respeito à impressão de que algo que está acontecendo em determinado momento já aconteceu antes. É um fenômeno a maioria das vezes não patológico, que ocorre em boa parte dos indivíduos psicologicamente saudáveis.

Uma das explicações já propostas para o déjà vu é a de que se trata de uma anomalia da função da memória. Normalmente, o indivíduo que experimenta o déjà vu tem uma sensação forte de que aquela cena já foi vivida, porém racionalmente ele reconhece que, por fatores circunstanciais, isso seria improvável ou impossível.

Eterno Retorno

Muito diferente do déjà vu é a ideia do Eterno Retorno.

Primeiramente, o déjà vu é um termo popular, usado por pessoas diferentes em contextos diferentes, às vezes com significados diferentes. O Eterno Retorno, por outro lado, é uma ideia filosófica específica, que tem nome e sobrenome, pai e local de nascimento: Eterno Retorno, Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência. Enquanto o déjà vu é um fenômeno psicológico humano, o Eterno Retorno é uma proposta de análise ética.

Capa da versão original de A Gaia Ciência, de 1882.

Nietzsche é famoso por sua filosofia pragmática e mundana, e pela sua abominação às religiões que renunciam aos valores materiais em nome de valores metafísicos. Ao contrário de grande parte dos filósofos anteriores a ele, que pautavam sua ética em valores ideias (a justiça, o bem comum, a temperança etc.), Nietzsche propõe uma ética terrena, e apresenta o Eterno Retorno como um exercício para avaliarmos nossa conduta perante a vida.

Imagine um demônio que lhe aborda na mais total solidão e diz: "Esta vida que você vive e viveu até agora, você a viverá de novo e de novo mais inúmeras vezes, por toda a eternidade. Cada mínimo prazer e cada mínima dor, cada momento insignificante, cada espera, cada vergonha, cada triunfo, cada gozo, de novo e de novo, para sempre". Você consideraria essa profecia terrível e amaldiçoaria o demônio? Ou já viveu algo tão maravilhoso que o consideraria um deus benfeitor?

Isto é, sua vida vale a pena? Você a viveria novamente por toda a eternidade, em cada detalhe sórdido e divino? Ou você tem vivido sua vida de uma forma que não lhe apraz?

Notemos que em momento algum Nietzsche fala sobre ciclos históricos que se repetem, muito menos sobre a impressão de se ter vivido algo anteriormente. O Eterno Retorno é simplesmente um exercício mental que serve para valorarmos nossa conduta perante a vida. O filósofo hora nenhuma diz que nossa vida será revivida novamente durante toda a eternidade, até porque isso seria um absurdo para a filosofia de Nietzsche. Trata-se tão somente de imaginar que isso fosse acontecer, como forma de julgar se estamos vivendo eticamente ou não, ou pelo menos se encaramos nossa vida de forma construtiva e forte ou de forma ressentida e fraca.

Eclesiastes 1:9

A ideia de que a história se repete é antiga. Já no Antigo Testamento, no capítulo 1 de Eclesiastes, temos:

"Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece.

Nasce o sol, e o sol se põe, e apressa-se e volta ao seu lugar de onde nasceu.

O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento, e volta fazendo os seus circuitos.

Todos os rios vão para o mar, e contudo o mar não se enche; ao lugar para onde os rios vão, para ali tornam eles a correr. [...]

O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol.

Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos passados, que foram antes de nós".

Impérios se erguem e caem, a humanidade avança e regride, doenças surgem e são curadas, empresas prosperam e falem, o céu amanhece e anoitece, a lua mingua e cresce, o planeta se englacia e se descongela, os homens enriquecem e empobrecem, etc., etc., etc.

Muito diferente de imaginar que a sua própria vida terá de ser vivida de novo e de novo por você mesmo durante toda a eternidade, e muito diferente da impressão de já ter vivido anteriormente algo que se experimenta em tal momento, é a noção de que a história da humanidade e as coisas do mundo se repetem em ciclos.

Podemos ver, déjà vu, Eterno Retorno e a ideia de que a história se repete são conceitos bem distintos um do outro.


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