top of page

Palermo, 2016

Preparation

Fiquei sabendo da palestra introdutória dos intercâmbios DENEM/IFMSA pela mensagem de um amigo, minutos antes de a palestra começar. Saí correndo de casa para a faculdade e consegui chegar só um pouquinho atrasado.

Isso foi em novembro de 2015, quando eu estava apenas no segundo período. Depois da palestra, conversando com amigos, o tom era de "podemos fazer isso mais para frente": ninguém acreditava que, no segundo período, teríamos pontos para conseguir um intercâmbio.

Voltei para casa e baixei todos os editais (SCORE/SCOPE, NBC, Estágios Nacionais), e até listas de convocação de anos anteriores. Percebi que eu poderia, sim, conseguir um intercâmbio, especialmente na modalidade SCORE, que era a única da qual eu poderia participar naquele processo seletivo, por ainda estar no primeiro ano.

Fiz minha inscrição: primeira opção, Eslovênia; segunda, Itália. Depois, as opções incluíam Turquia, Tunísia, Chile e México. Fui selecionado para ir para a Itália em novembro de 2016.

Desde o começo, tive grande preocupação em garantir que o intercâmbio não resultasse em reprovação por falta no meu quarto período (quando faria o intercâmbio). Em janeiro mesmo, assim que fui aprovado, mandei o primeiro e-mail para minha Coordenação de Curso contando sobre o intercâmbio e pedindo instruções. Eu ainda trocaria muitos e-mails com a Coordenação de Curso e a Diretoria de Relações Internacionais e Interinstitucionais da UFU ao longo do ano.

Fevereiro foi o mês da correria: atualizar cartão de vacina, escrever carta de motivação, pedir carta de recomendação, traduzir vários documentos e mandar a Application Form. Eu tive a opção de escolher três projetos de pesquisa dos quais gostaria de participar; escolhi um sobre diabetes, um sobre dependência de álcool, e um sobre depressão.

Até início de setembro, eu não sabia ainda para onde iria nem de que equipe de pesquisa eu faria parte. Então chegou a Card of Acceptance com o vaticínio: eu iria a Palermo, onde estudaria oncologia (nada a ver com minhas opções, mas a vida é assim mesmo).

Chegada a Palermo

Palermo é uma cidade histórica, mais velha que o cristianismo, localizada no noroeste da ilha de Sicília, no sul da Itália. Fundada pelos fenícios, foi cobiçada (e eventualmente controlada) por gregos, romanos, germânicos, bizantinos e mouros, o que lhe rendeu as influências culturais multiétnicas que caracterizam a cidade hoje. Finalmente, no século XIX, Giuseppe Garibaldi, o mesmo herói da Guerra dos Farrapos no Brasil, anexou o então Reino das Duas Sicílias à nascente Itália, ainda em processo unificação.

Cheguei à Sicília pelo pequeno aeroporto de Punta Raisi, onde peguei um ônibus da empresa Prestia e Comandè para o centro de Palermo. Cheguei à Stazione Centrale pouco mais de meia hora depois, onde fui recebido por dois membros do comitê local, Stefania e Davidino. Fomos a pé ao flat onde eu me hospedaria durante o mês de intercâmbio, a umas cinco quadras da estação de ônibus central.

Hospedagem

Hospedei-me em um flat bem austero: dois quartos espaçosos, uma sala pequena, uma cozinha, um banheiro e uma pequena varanda. Dividi o pequeno apartamento com dois outros intercambistas que também passariam novembro em Palermo: um jordaniano e uma sérvia, ambos do sexto ano, por quem nutro um sentimento de amizade muito peculiar: 30 dias morando com duas pessoas até então desconhecidas em uma cidade até então desconhecida, dividindo memórias muito especiais, isso cria um laço distinto entre nós.

Apesar de não haver luxo algum, o flat era bem adequado às nossas necessidades, já que o usávamos quase apenas para dormir e descansar. Além disso, era bem localizado: estávamos na Via Carlo Pisacane, a poucos metros de duas das ruas mais importantes de Palermo, Via Roma e Via Maqueda. O hospital também era próximo, poucos minutos ao sudoeste. Caminhando pela Via Maqueda, estávamos a pouco mais de 15 minutos do grandioso Teatro Massimo, e dali a pouco chegávamos ao Teatro Politeama. O porto de Palermo, La Cala, ficava algumas quadras ao leste.

Comida

O pocket money que recebemos, valendo como uma refeição por dia durante o mês de intercâmbio, foi de 100 euros, o que dá pouco mais de três euros por refeição. É pouco. Em Palermo, um prato de macarrão em um restaurante barato no almoço custa de cinco a sete euros; uma pizza individual para jantar custa cerca de oito euros; outros pratos custam até mais.

Felizmente, eu descobri algumas formas muito agradáveis de reduzir os custos com alimentação. A primeira, mais óbvia, foi indo ao supermercado. Lá comprávamos pães, queijos e saladas prontas que matavam nossa fome durante o dia por um preço melhor.

Nosso típico jantar barato de supermercado.

A segunda opção, melhor ainda, foi comendo nas ruas de Palermo. A Sicília é bem famosa pela sua comida de rua, barata, gordurosa e riquíssima em carboidratos, adequada a um povo que já passou por dificuldades para conseguir se alimentar.

De manhã, antes de ir ao laboratório, eu comia sempre uma arancina al burro, uma bola de arroz frita recheada com muçarela e manteiga. Isso era motivo de riso para os italianos no laboratório, que costumam comer doce pela manhã. Uma arancina de oitenta centavos da Ganci Rosticceria e um espresso da máquina no térreo do bloco onde eu ficava, e meu café da manhã saía por pouco mais de um euro.

Outros pratos de rua que experimentei incluem sfincione, uma espécie de pizza de massa grossa e macia, com molho de tomate e cebola; panelle, uma massa de grão de bico frita; e crocché, uma massa de batata frita. Todos deliciosos. Também experimentei outros dois pratos sicilianos um pouco mais peculiares: pani câ meusa (em siciliano) ou panino con la milza (em italiano), um sanduíche de pâncreas (milza) e pulmão de boi com ricota e queijo ralado; e stigghiola, um espetinho de intestino de ovelha grelhado, que comi com limão e Birra Moretti, como se fosse um torresmo, no Ballarò.

Prestes a experimentar pane câ meusa.

De manhã, na colazione, como disse, os italianos costumam comer doces. Na verdade, geralmente eles comiam uma massa que parece um croissant, recheada com creme de chocolate, avelã ou pistache: os cornetti. O cornetto de pistache, um ingrediente muito comum na Sicília, é o melhor.

Falando em doce, os sorvetes italianos... Que coisa maravilhosa. Numa galeria próxima à Via Maqueda, entre o Massimo e o Politeama, havia uma sorveteria chamada Brioscià, cuja pronúncia comicamente lembre broxa. Lá, por um euro você pode comprar uma minicasquinha que vem com sorvete bastante para se satisfazer, além de cobertura de chocolate branco, preto ou pistache, e uma bolachinha gostosa para acompanhar. Por dois euros e cinquenta, você compra um pão recheado com três sabores de sorvete que é impossível uma pessoa comer sozinha de uma vez só.

O primeiro estereótipo italiano confirmado em Palermo foram os sorvetes deliciosos, não as pizzas.

Uma arancina, um enroladinho de presunto e batata frita e um espresso fazem o café da manhã dos campeões.

Laboratório

Meu estágio foi no laboratório do Dr. Giorgio Stassi, médico e professor de patologia na faculdade de medicina da Università degli Studi di Palermo, e pesquisador de câncer. O Professor Stassi designou Simone e Alessandro, dois pós-docs, para me acompanhar.

(Simone é um homem, assim como Gabriele, um colega da faculdade de medicina de Palermo).

Nunca antes eu tivera contato com um laboratório citologia e biologia molecular, então eu gostei muito do tempo que passei no hospital. Aprendi algumas rotinas de laboratório e alguns procedimentos que eles usavam na pesquisa deles, o que me deu uma base legal sobre o cotidiano de um laboratório de pesquisa médica.

A maioria falava inglês bem, mas alguns escorregavam e outros falavam apenas italiano. No segundo dia no laboratório eu já cumprimentava todo mundo com Buongiorno!, Come stai?, Ciao! etc.

O melhor, porém, era o convívio com as pessoas de lá. O clima era bem amigável e, é claro, eu era a novidade por lá; sempre queriam me mostrar alguma coisa, me contavam piadas um dos outros, me chamavam para tomar um espresso ou almoçar um crocché... Entrei até no grupo do calcio deles, para marcarmos um futebol. Meu tempo no laboratório foi muito divertido.

Comitê de intercâmbios local

A organização local do comitê de intercâmbios me surpreendeu pelo tamanho e pela organização. A galera lá leva os intercâmbios da IFMSA (International Federation of Medical Students' Associations) muito a sério. Fiquei sabendo que em agosto, nas férias, receberam mais de 80 intercambistas. Esse entusiasmo deles, na minha opinião, foi um grande responsável pelo melhor da minha experiência nessa viagem.

Todas as semanas, mesmo estando em período de aulas, havia eventos em bares (os aperitivi) organizados pelos estudantes da SISM (Segretariato Italiano Studenti Medicina) e da Studenti Universitari (o DA/CA deles). Quase todos os dias havia estudantes de medicina locais dispostos a almoçar, jantar ou beber com nós, intercambistas. Nos fins de semana, sempre saíamos com eles para jantar e depois beber nas praças, de forma semelhante ao que fazemos na Bicota e no Tio Patinhas aqui em Uberlândia.

Galera na Piazza Sant'Anna após um aperitivo da SISM.

Noites e noites

Não me recordo o preço das bebidas em Palermo. Lembro-me de beber bastante vinho, muito mais do que aqui no Brasil. No supermercado, uma garrafa modesta custava 3-5 euros; nos bares, uma taça custava 4-7 euros, mais ou menos. As cervejas, nos bares, eram por volta de 3-4 euros.

Uma das coisas mais maravilhosas que eu descobri em Palermo foi o aperitivo. Todos os dias, por volta das 19h00, os bares de Palermo começavam os serviços com uma proposta tentadora: uma cerveja, uma taça de vinho ou um drink (por 3-8 euros) e você come à vontade enquanto bebe.

É tipo um happy hour, mas open food por um preço muito barato. A comida era basicamente massas gordurosas (como toda comida siciliana), mas muito boa: mini-arancine, crocché, panelle, muçarela, minipizza, batata chips, amendoim etc.

Um dos aperitivi que os italianos mais recomendaram foi o do Vespa Café, que fica numa rua afluente da Via Maqueda, perto do Teatro Massimo. O lugar lota rápido e precisa de reserva mesmo em dias de semanas. Fui lá e não gostei muito: o aperitivo era uma bandeja de comida, não buffet à vontade, e não tinha nada especial, e as bebidas eram um pouco mais caras. Mas foi bão mesmo assim.

Gostei bastante do Qvivi, um bar com aperitivo responsa, numa praça da qual esqueci o nome, perto da Antica Focacceria San Francesco. Meu preferido, porém, foi o Ai Chiavettieri, na Via Chiavettieri, uma travessa onde há muitos bares com aperitivos bons e baratos; infelizmente, fiquei sabendo há pouco que ele foi fechado e há um sushi bar no local agora.

Aperitivo.

Fui a poucas baladas em Palermo. Lembro-me de uma em La Cala e outra no meio de um parque à esquerda da Via della Libertà, indo sentido Mondello. As baladas em que fui cobravam algo como dez euros para entrar, com direito a uma bebida. As bebidas seguintes eram o mesmo preço. Foram boas, mas eu preferia bares e os eventos da SISM local.

A região em que nosso flat ficava, no eixo La Cala-Massimo, era muito rica em bares e nos finais de semana era muito fácil encontrar jovens reunidos bebendo ao longo da Via Maqueda e da Via Roma, nas praças da região e nos bares. Algo como o Bicota-Tio Patinhas de minha Uberlândia, só que com igrejas muito maiores, muito mais velhas e em muito maior quantidade.

Passeios

Assim como em outras cidades da Europa, caminhar em Palermo é uma delícia. As ruas pequeninas e as igrejas monumentais, os muros e os chãos de pedra são sinais da idade milenar da capital da Sicília. Vale a pena, como é do gosto dos europeus, tirar algum tempo nas tardes e noites preguiçosas para simplesmente caminhar pela cidade, conhecendo as praças, igrejas, bares, monumentos, teatros...

As Catacombe dei Cappuccini é um passeio que vale a pena. Elas ficam a oeste do flat em que nos hospedamos, a uns 20 minutos de caminhada, se minha memória não me engana. A entrada custa uns cinco euros. Trata-se do "porão", quer dizer, do subsolo de um monastério. Dizem que no final do século XVI o cemitério dos monges lotou sua capacidade, então escavaram o subsolo e guardaram os corpos mumificados de seus integrantes lá. Conforme o tempo passou, passaram a enterrar pessoas de fora que pagavam por essa espécie de "imortalização".

A primeira múmia das catacumbas fica logo na entrada, com seu nome, data de "enterro", e a nota de ter sido o primeiro corpo lá. O local é dividido em alas para homens, mulheres e crianças. Também há algumas salas que parecem mais bem decoradas e menos desagradáveis do que os corredores em que a maioria dos corpos ficam; não sei qual o propósito delas.

As pessoas enterradas lá então vestidas, às vezes com roupas de padre, às vezes de monge, às vezes do que me pareceu um capitão de navio, e às vezes normalmente. Alguns corpos são muito bem conservados, enquanto outros parecem estar se desfazendo em pó. Algumas pessoas tinham palha saindo no lugar dos pés.

Um lugar interessante para se conhecer.

Outra atração de Palermo é a Cattedrale. As igrejas europeias são grandes, imponentes, mas a catedral de Palermo é imensa! E linda. Há uma grande esplanada em sua lateral, com jardins e chão de pedra, escadas e corrimões bonitos. Atravessando a rua há uma escola, acho que de ensino fundamental; quando eu estava lá, essa esplanada estava lotada de crianças saindo da aula.

A linda catedral de Palermo.

Já falei aqui sobre os teatros Massimo e Politeama, mas vou falar de novo. O Politeama é mais bonito exteriormente, tem uma estátua de bronze em sua entrada que lembra o Brandenburg Tor de Berlim, mas menor do que o Massimo. Não cheguei a ver seu interior, a não ser pelo hall de entrada, escondendo-me da chuva um dia.

O Massimo é maior. Tem duas estátuas de pedra nas laterais da sua escadaria de acesso, seis colunas gigantes em sua entrada. Assisti a uma apresentação da ópera Carmen em seu interior (lógico), e ele é gigante, e lindo, lindo. Além do teatro em si, há um restaurante em seu térreo com um ambiente e atendentes muito agradáveis, perfeito para tomar um espresso aproveitando a wi-fi.

Não há praias nessa região central, velha, histórica de Palermo onde fiquei, mas há La Cala, o porto da cidade. Lá há um grande espaço gramado onde famílias e amigos vão jogar futebol, caminhar e passar o tempo. Também há alguns restaurantes e banquinhos para sentar e conversar aproveitando o sol ameno e o vento fresco do outono palermitano.

Por fim, um dos meus últimos passeios na Sicília foi em Mondello, uma cidadela praiana adjacente a Palermo. Não entrei na água, mas foi bem gostoso visitar esse local. Uma das coisas mais bonitas que primeiro notei em Palermo, no caminho de Punta Raisi ao centro histórico, foi o contraste entre o mar e as montanhas. Tal qual no Rio de Janeiro, as praias de Mondello são rodeadas por morros, o que faz uma paisagem muito bonita.

Nevena catando conchas em Mondello.

Partida

Depois de trinta e poucos dias na Sicília, madruguei para pegar o ônibus da Prestia e Comandè de volta a Punta Raisi. Punta Raisi, Nápoles, Fiumicino, Galeão, Guarulhos, Uberlândia. Trinta horas de volta.

Valeu a pena.


bottom of page