Linguagem comparada #3: Os dias da semana
- Nícolas Teixeira Cabral
- 1 de mar. de 2018
- 4 min de leitura
Há muito tempo eu tenho curiosidade de saber por que os nomes da semana são tão parecidos em tantas línguas românicas e germânicas, mas muito diferentes (e sem graça) no português moderno.
Tirando o português, quase todas as línguas românicas têm nomes bem parecidos para os dias da semana. Lundi, do francês, vira lunedì, em italiano; lunes, em espanhol; e luni, em siciliano. Todos derivam do latim dies Lunae, "dia da lua".
Da mesma forma, as línguas germânicas em geral também batizam o segundo dia da semana como o "dia da lua". Em inglês, é Monday; em alemão, Montag; em dinamarquês, Mondag; em holandês, manndag.
Em português, temos segunda-feira.
Antigamente, os dias em Roma eram organizados em ciclos de oito dias, em que o oitavo dia era a "nundina". Daí vem o nome "ciclo nundinal". Nundina vem de "nove dias", porque os romanos contavam os dias incluindo o primeiro e o último dia na contagem (como se disséssemos que o domingo vem três dias depois de sexta-feira). Então cada nundina vinha nove dias depois da nundina anterior.
Nos primeiros séculos da era cristã, os ciclos nundinos do Império Romano foram paulatinamente substituídos pela "septimana", a semana de sete dias que conhecemos hoje. Os nomes dos dias, em latim, foram dados segundo o sol, a lua e os cinco planetas conhecidos na Antiguidade (exceto a Terra), que eram nomes de deuses romanos: dies Solis (sol), dies Lunae (lua), dies Martis (Martes), dies Mercurii (Mercúrio), dies Iovis (Júpiter), dies Veneris (Vênus) e dies Saturni (Saturno).
O primeiro dia da semana, dies Solis, era o "dia do sol"; mas ele se tornou dies Dominicus, o "dia do Senhor". Saturno, deus romano do tempo e pai de Júpiter, deu seu nome ao último dia da semana, dies Saturni, porém, este foi renomeado segundo o dia de descanso das religiões abraâmicas, o Sabbath.
Dos nomes latinos, baseados nos deuses romanos, surgiu a maioria dos nomes dos dias da semana das línguas latinas modernas. Dies Mercurii, por exemplo, originou mercredi, miércoles, mercoledì e dimercres, em francês, espanhol, italiano e catalão, respectivamente.
Em algum momento, ainda nos primeiros séculos da nova era, antes da ascensão do cristianismo, os povos germânicos do norte e leste europeu adotaram a semana de sete dias dos romanos, traduzindo os nomes dos dias para seu próprio idioma. Os dias do sol e da lua continuaram. Os deuses Marte, Mercúrio, Júpiter e Vênus foram substituídos por divindades da tradição germânica, respectivamente: Tiw, relacionado ao combate, assim como Marte; Woden, que, assim como Mercúrio, seria o guia das almas depois da morte, também associado às artes da poesia e da música; Thunor, deus dos trovões, como Júpiter; e Frige, uma deusa anglo-saxônica. Aparentemente, os povos germânicos não encontraram um deus suficientemente parecido com Saturno, ou apenas preferiram deixar o deus romano para batizar o último dia da semana.

Thor, o dono da quinta-feira.
Assim, em inglês antigo os dias eram Sunnandæg ("dia do sol", domingo), Monandæg ("dia da lua"), Tiwesdæg (em homenagem ao deus Tiw), Wodnesdæg (em homenagem ao deus Woden, também conhecido como Odin), Þunresdæg (em homenagem a Thunor, ou Thor), Frigedæg (segundo a divindade Frige) e Sæternesdæg (que continuou com o nome do deus romano, Saturno).
Essa é a origem da maioria dos nomes dos dias da semana nas línguas germânicas modernas. O dies Mercurii, que em anglo-saxão virou Wodnesdæg, tornou-se Wednesday, Onsdag, onsdag e woensdag, em inglês, dinamarquês, sueco e holandês, respectivamente.
Há algumas exceções. Quase todos os dias da semana em alemão são semelhantes aos nomes do anglo-saxão,mas não a quarta-feira: Mittwoch, i.e. "meio da semana". Igualmente, em luxemburguês diz-se Mëttwoch, e em ídiche diz-se Mitvokh. Também o sábado do alemão não deriva de Saturno, mas do Sabbath: Samstag.
Nas línguas da Escandinávia, o sábado tampouco pega o nome de Saturno. Em dinamarquês, temos Lørdag; em sueco, lördag; em islandês, laugardagur. A origem seria laugardagr, "dia da limpeza" em nórdico antigo.

Os dias da semana em várias línguas. O latim foi a base para a maioria das línguas românicas, que estão no meio da figura. O anglo-saxão, uma antiga língua germânica, é similar aos idiomas germânicos na parte mais baixa da tabela, mas mais antigo. O esperanto, uma língua programada, tirou os dias da semana da tradição latina. O sérvio, assim como o português, nomeou os dias da semana com uma sequência numérica; mas, diferentemente do português, o primeiro dia seria o dies Lunae.
Então, afinal, por que o português nomeou os dias da semana tão desconforme a maioria das línguas latinas?
No século VI, parte do clero católico romano de uma região que hoje fica em Portugal entendeu que era um insulto a deus chamar os dias da semana segundo deuses pagãos. Mantiveram o domingo, derivado do "dia do Senhor", e o sábado, derivado do Sabbath. Os outros dias, que durante a Semana Santa serviriam para culto e oração, viraram segunda-, terça-, quarta-, quinta- e sexta-feira, derivados do latim feria, "dia de descanso". Nessa época, o português que conhecemos hoje ainda não existia; até o século XIV o português e o galego não eram línguas distintas. Por isso, o galego também usa o sistema da "feria" para nomear os dias da semana.
Figura: Thor's battle with the Ettins, de Mårten Eskil Winge, 1872.