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Meus poemas existencialistas preferidos

Recentemente estive trocando frases, poeminhas e ideias com uma amiga e, no esforço de buscar na memória escritos significantes para lhe mostrar, lembrei-me destes poemas, que chamei existencialistas, por de alguma forma fazerem reflexões sobre nossa vida humana.

Nos dias seguintes, revisitei estes três poemas de novo e de novo, e de alguma forma fui tomado pelo existencialismo deles. Esse é o perigo dessas reflexões, elas podem se apoderar do ser pensante de forma que ele se torna um zumbi, dominado por pensamentos pouco práticos.

Porém, se você escapa desse terrível perigo e se você conseguecontemplar a riqueza destes poemas, nem de mais nem de menos, mas de forma justa e honesta, eles certamente acrescentarão algumas camadas de transparência a sua experiência diária.

Criei este blog pensando em escrever mais do que já escrevia e em dar alguma utilidade a meus textos; espero que meus leitores se divirtam ou se instruam. Assim, decidi pôr estes poemas aqui porque eles me divertem e me instruem, e porque acho que lê-los de vez em quando pode nos ajudar a viver a vida melhor.

Os votos

Este poema é largamente mal atribuído ao poeta francês romântico Victor Hugo, mas seu verdadeiro autor é o brasileiro gaúcho Sérgio Jockymann. Seus versos flagrantemente foram inspiração para a canção Amor pra recomeçar, de Frejat, canção que tem uma letra linda, refletindo a beleza do poema de Jockymann, mais lindo ainda.

Verdade seja dita, eu ainda não tenho certeza sobre a natureza de Os votos. Apesar de parecer um poema de versos longos, também parece uma prosa de linhas curtas. A versão original, publicada no Folha da Tarde de Porto Alegre, em 1978, é organizada em parágrafos, mas há parágrafos que começam como se fossem versos. Confuso.

O título Os votos me faz lembrar um padrinho contando seus desejos a um noivo jovem. É claro, acaba que os votos se tornam mais recomendações do que desejos, visto que, apesar de nosso futuro ser imprevisível e sujeito a todo tipo de intempérie, em última análise nossa reação a tudo que nos acontece está sob nosso controle. Mais importantes que as palavras insignificantes que desejam sorte ao vento são os conselhos sobre como tratar a vida e a sorte.

Por isso, ele deseja que o destino seja gentil o bastante para que você tenha alguém para amar e para que essa pessoa lhe ame de volta. Mas, caso não aconteça, pois nem sempre acontece, que você saiba não guardar mágoa.

Pois desejo primeiro que você ame e que amando, seja também amado.

E que se não o for, seja breve em esquecer e esquecendo não guarde mágoa.

Desejo depois que não seja só, mas que se for, saiba ser sem desesperar.

Uma das partes mais legais para mim é esta:

Desejo ainda que você seja tolerante, não com que os que erram pouco, porque isso é fácil, mas com aqueles que erram muito e irremediavelmente.

Como o autor diz em seguida, não se trata de permissividade. Trata-se de um esforço consciente e deliberado no sentido de aceitar cada vez mais que as pessoas não são perfeitas. Não devemos ter compaixão apenas com as pessoas inofensivas, porque elas não existem. Não devemos limitar nossa compaixão.

A frase que abre a música de Frejat foi inspirada neste trecho, que também é um de meus favoritos:

Desejo que você sendo jovem não amadureça depressa demais,

e que sendo maduro não insista em rejuvenescer,

e que sendo velho não se dedique a desesperar.

Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e é preciso deixar que eles escorram dentro de nós.

Apesar de bastante jovem, eu já tenho saudades de várias coisas que não voltarão. O parquinho de areia branca e os coelhos que alimentávamos no SESI em 2000. O pátio antigo do São Paschoall, reformado em 2002, que tinha uma árvore bem no meio e uma escada que parecia gigante para a cantina. O prédio novo do São Paschoall, que foi minha segunda casa de 2002 a 2009. As olimpíadas de matemática em 2006. Meus amigos e professores naquela época que era tão mais folgada que hoje. A quadra onde joguei handebol pela primeira vez, lá em 2008, esporte que infelizmente não segui jogando e só retomei em 2015. As salas curtas e largas do COC em 2012, onde ouvi mais piadas do que em minha vida inteira; parecia um bar de comédia stand-up.

Hoje, estou no melhor momento da minha vida, que é resultado de tudo isso que eu passei. E é bom. Mas o parquinho de areia, as olimpíadas de matemática, o primeiro time de handebol e as piadas do ensino médio nunca voltarão. E, apesar do hoje ser uma delícia, ele não tem o gosto particular que essas coisas tinham.

Outrora eu pensava em carpe diem como uma máxima hedonista. E em alguma época ele me serviu bem assim. Mas hoje eu vejo carpe diem como uma máxima sobre isso: toda idade tem prazer e dor, e é preciso deixar que eles escorram dentro de nós. O tempo passa, para o bem e para o mal, e para o bem e para o mal ele nunca volta; por isso é importante notar a riqueza particular de cada momento.

Desejo por sinal que você seja triste, não o ano todo, nem um mês e muito menos uma semana,

mas um dia.

Aqui, um voto que comove pela sinceridade. A vida é assim, nem sempre estamos felizes; porém, quando você ficar triste, que seja por um dia, e não o ano inteiro. Da mesma forma, o verso seguinte reconhece que essas coisas ruins – como a morte – simplesmente acontecem; e que o melhor a fazer é aceitá-las como parte da vida:

Desejo também que nenhum de seus afetos morra, por ele e por você. Mas que se morrer, você possa chorar sem se culpar e sofrer sem se lamentar.

Em um tom mais materialista, o autor deseja dinheiro. Mais que isso, deseja que sejamos mestres, e não servos, do nosso dinheiro:

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro porque é preciso ser prático. E que pelo menos uma vez por ano você ponha uma porção dele na sua frente e diga: Isto é meu.

Só para que fique claro quem é o dono de quem.

Os votos, de Sérgio Jockymann, é um dos textos mais maravilhosos que conheço. Estes são apenas alguns trechos de sua genialidade. Vale a pena conferi-lo por inteiro.

Poema em linha reta

Poema em linha reta foi escrito por Álvaro de Campos, um pseudônimo de Fernando Pessoa. Trata-se de uma denúncia dos homens que ocultam seus pecados uns dos outros, mas, acima de tudo, trata-se de uma confissão do eu lírico.

Quem anuncia aos quatro ventos seus fracassos? Bem, é até comum ouvir pessoas de sucesso contando sobre as dificuldades que passaram ao longo da vida. Mas contam como se fossem não verdadeiros fracassos, e sim degraus de uma escada rumo ao sucesso final.

Álvaro de Campos está farto de semideuses. Onde estão as pessoas humanas do mundo? Não quer saber de quem foi traído, enganado ou violento; que saber de quem foi covarde, infame, mesquinho, submisso e arrogante.

Quem confessa ter sido vil, literalmente vil, vil no sentido mesquinho e infame da vileza?

Afinal, em nosso ponto de vista, vis são os políticos em Brasília, os militares no Rio, os traficantes em São Paulo. Nós admitimos, sim, cometer erros, mas nossos erros não são errados como os deles. Estamos certos de que somos diferentes, de que nunca faríamos o que eles fazem.

Somos todos semideuses.

Poema de Natal

Este poeminha de Vinicius já esteve aqui no blog antes.

Interessante pensar que o Poetinha pensou em tudo que ele escreveu nesse poema no Natal, que é minha época preferida do ano. Em 1946, logo após o fim da Segunda Guerra, provavelmente uma época ainda impressionada pelo horror do que acabara de acontecer, mas com a esperança de anos mais pacíficos. No Rio de Janeiro, diante da beleza contrastante dos mares e morros dessa cidade.

É muito fácil para qualquer ser humano cair no niilismo quando se pensa por um tempo longo o bastante sobre a vida. Tá, vou trabalhar, talvez ficar rico, ser reconhecido, ter filhos, criá-los, envelhecer com saúde... Mas e depois? Morte, e o total apagamento de todos os triunfos e fracassos? De que serviu tudo isso?

Vinicius responde que para isso fomos feitos: para lembrar e ser lembrados, para chorar e fazer chorar, para enterrar os nossos mortos.

Não há nenhum futuro grandioso livre de aborrecimento e de dúvida, silencioso e branco como a bruma. A realidade continuará sendo carnalmente incompleta. Assim será a nossa vida: uma tarde que não vale a pena lembrar, uma estrela que brilha breve, já fenecendo nas trevas.

E não há muito que pode nos livrar desse massacrante peso da realidade, mortal e pouco glamorosa. Às vezes, o milagre de uma nova vida humana, o ardor de uma nova paixão ou mesmo a lembrança de que todos pereceremos em breve nos faz esquecer o desconforto que é viver, mas é só isso. Não há muito o que dizer: uma canção sobre um berço, um verso, talvez, de amor, uma prece por quem se vai...

Mas que esses momentos nos inspirem, e que deles nos lembremos cada vez mais e mais. Pois para isso fomos feitos: para a esperança no milagre, para a realização da poesia, para ver a face da morte.

Pois, se a vida é um caminho entre dois túmulos, da morte apenas nascemos. Imensamente.

Figura disponível em http://emiliopacheco.blogspot.com.br/2006/05/clique-para-ampliar.html.


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