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Como não ser bom em algo

  • Nícolas Teixeira Cabral
  • 16 de mai. de 2018
  • 3 min de leitura

Eu tenho um colega que quer ser cirurgião. Ainda no quarto ano de medicina, ele já começou a se preparar para o ofício que terá pelo resto da vida: está treinando caligrafia para melhorar a coordenação motora fina da mão.

Certo, ele ainda pode mudar de ideia nos dois anos e meio de graduação que ainda terá antes de começar a residência, e decidir ser clínico. Claro, talvez esta seja a hora de ele aprender a ser um médico generalista, ao invés de treinar para ser cirurgião. Concordo, talvez ele deva aproveitar o restinho de graduação para se divertir um pouco antes de levar a coordenação motora tão a sério.

Tudo isso é discutível, mas tem uma coisa que é certa: treinar caligrafia com o intuito de ser um cirurgião mais habilidoso é tempo perdido. Igual a este blog.

Não sei se você também acha um absurdo essa ideia louca de treinar caligrafia pensando em ser um açougueiro mais talentoso. Eu acharia balela se não tivesse visto meu amigo fazendo exatamente isso. E outros colegas dizendo que era uma boa ideia.

Mas essa loucura se expressa de formas diferentes, e nem sempre achamos um absurdo. Por exemplo, há pessoas que acham que treinar xadrez ou aprender a tocar um instrumento novo irá torná-las mais "inteligentes". É bem possível que algum estudante de medicina por aí ache que se ele aprender italiano o cérebro dele terá mais facilidade de decorar os critérios diagnósticos e os algoritmos do tratamento do diabetes mellitus.

Nada disso é verdade.

É quase senso comum o pensamento de que aprender um novo idioma ou um novo instrumento "aumentam" a inteligência. E, como aprender coisas novas modificam o cérebro, pode ser que haja realmente alguma mudança positiva nesse sentido.

A questão é que, se você quer ser um bom advogado, você não deve perder tempo aprendendo a tocar ukulele. Você deve perder tempo estudando Direito.

Pode acreditar, mesmo que tocar ukulele lhe faça de alguma forma mais inteligente, o tempo que você vai gastar fazendo isso daria um retorno maior se você estivesse trabalhando em um escritório ou resolvendo questões de concursos.

Não que você deva abandonar as aulas de alemão, nem as de piano. É interessante aprender essas coisas, faz bem para a alma, nossas tias ficam orgulhosas, as viagens e as reuniões de amigos ficam mais prazerosas...

Mas se você está aprendendo xadrez para ser "mais inteligente", você está perdendo tempo.

Pode ser que treinar caligrafia melhore a coordenação motora fina da mão, e provavelmente isso é algo desejável em um cirurgião. Mas sabe o que é mais desejável ainda? Horas e horas de cirurgias acompanhadas por um cirurgião experiente e um conhecimento sólido de anatomia.

Não perca tempo com atividades para melhorar a memória, o raciocínio ou qualquer competência inespecífica. Escolha aquilo em que você quer ser realmente bom e treine especificamente aquilo.

O máximo que treinar caligrafia fará por você é lhe tornar um bom tipógrafo.

***

Dito isto, uma ressalva.

Steve Jobs uma vez disse que seu curso de caligrafia no Reed College foi a base para as fontes do Macintosh, "o primeiro computador com tipografia bonita", que depois a Microsoft copiou no Windows, segundo ele. Não fosse o curso inútil de tipografia, imaginou Jobs, os computadores nunca teriam tido fontes bonitas e diversas.

Eu não acho que aprender novos instrumentos, idiomas, esportes e talentos de todo tipo sejam perda de tempo. Principalmente enquanto somos jovens, na faculdade, todo tipo de atividade nos acrescenta em vários sentidos, que são difíceis de precisar.

É o que a gente chama de soft skills. Resiliência, habilidades interpessoais, autoconfiança...

Não tem problema aprender caligrafia. Na verdade é até interessante. Só não espere que isso vá te ajudar a ser um bom cirurgião.

Figura de Ryan Malloy.


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