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Amor ao destino

Estive ouvindo bastante O Teatro Mágico nos últimos dias. São das músicas mais poéticas que conheço... O anjo mais velho (que estou ouvindo agora), Nosso pequeno castelo, Sonho de uma flauta, Eu não sei na verdade quem eu sou. Músicas apaixonantíssimas.

Nessa música, O anjo mais velho, há um verso que diz:

E o fim é belo, incerto, depende de como você vê.

O futuro (ou o fim) é um dos assuntos mais impressionantes que tem. Lembro outro verso, este de Toquinho, na canção Aquarela:

E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar. Não tem tempo nem piedade nem tem hora de chegar. Sem pedir licença, muda a nossa vida e depois convida a rir ou chorar. Nesta estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá. O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar.

O que me lembra outro verso, dessa vez do Charlie Brown Jr.:

Tem gente que reclama da vida o tempo todo, mas a lei da vida é que dita o fim do jogo.

Tudo isso me lembra: amor fati.

Duas coisas comuns a todos os seres vivos: não saber o que o futuro reserva; ter de conviver com o que for que o futuro reserve.

E a única exceção a essas regras, claro, é a morte: a única coisa que sabemos que o futuro reserva e a única coisa com a qual não teremos que conviver (se estivermos falando de nossa própria morte).

Naturalmente sonhamos com o sucesso profissional, uma família unida, saúde até a velhice, boas condições financeiras e amigos fieis. Mas ali na esquina pode haver algo terrível esperando por qualquer um de nós: uma doença mortal, um filho fora de hora, o desemprego, a incapacidade, o ostracismo, a própria loucura.

E nós não sabemos quem será pego.

Pode ser eu, pode ser você, pode ser qualquer um.

Da mesma forma, ali na frente pode haver algo maravilhoso esperando qualquer um de nós: um parceiro para a vida inteira, um trabalho bem pago, a casa própria, a cura para sua chaga.

E nós não sabemos quem será pego.

Pode ser eu, pode ser você, pode ser qualquer um.

Infelizmente, temos muito mais facilidade para aceitar a cura do que a doença, o sucesso do que a falência. Naturalmente.

Porém, a roleta russa da vida pode igualmente nos agraciar com a sorte ou com o revés. Indistintamente.

Para o universo, não é mais desejável que você seja saudável do que doente. As chances são praticamente as mesmas.

Lembro-me agora de um verso do Secos e Molhados:

Beber o suco de muitas frutas, o doce e o amargo, indistintamente.

Requer uma força mental muito grande aceitar nosso passado, tal qual ele é, e ainda mais para aceitar o porvir, seja lá qual ele for. Uma doença terrível, um filho fora de hora, o desemprego, a incapacidade, o ostracismo, a própria loucura.

Muitas vezes essas chagas que se abatem sobre nós surgem de pequenos descuidos que identificamos como pontuais: se eu não tivesse bebido aquele dia, se eu não tivesse saído com aquela galera, se eu tivesse me protegido naquela vez...

Mas a gente comete os mesmos erros repetidamente, até que uma vez ele custa caro.

Lembrei-me agora dos Titãs:

O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído.

E aí, amaldiçoamos nossa escolha, nossa imprudência e só desejamos voltar atrás, mudar o passado.

Impossível.

Afinal, tudo isso já estava previsto desde o surgimento do universo. Nada poderia ter sido diferente.

Só há um remédio para todas as chagas do mundo: amor fati.

Esse seu problema aí só é um problema porque você acha que é um problema. De um posto de vista objetivo, é apenas um fato da vida.

Qualquer doença, qualquer humilhação, qualquer dor, assim como todo gozo, toda vitória e todo êxtase não passam disso: coisas da vida.

Porém, temos uma facilidade imensa em aceitar um, e não em aceitar o outro.

O fim pode ser belo, seja ele qual for, dependendo de como você o vê.

São faces da mesma moeda: se quer a vitória, esteja pronto para aceitar o fracasso.

Não digo o fracasso que é perder um jogo ou uma nota ruim em um teste. Digo o "fracasso" de uma doença incurável, o desamor de todos ao seu redor, os débitos impagáveis, o fracasso total enquanto ser humano.

Pois ele é uma possibilidade tão possível quanto o sucesso total.

É senso-comum: você não pode controlar o que lhe acontece, mas pode controlar como reage ao que lhe acontece.

Meu conselho (de Nietzsche) é: abrace tudo. Aceite seu destino em cada penoso e maravilhoso detalhe. Aceite a doença com o mesmo entusiasmo com que aceita a saúde, e o ostracismo com a mesma alegria com que aceita a consagração.

Desejar que as coisas fossem diferentes é uma forma muito eficaz de se torturar.

O que não tem remédio está remediado. O que não tem solução não é um problema.

Beba do doce e do amargo, indistintamente.

Figura de Marcin Bialek.


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