O erro fundamental de atribuição
- Nícolas Teixeira Cabral
- 30 de mai. de 2018
- 6 min de leitura
Uma pessoa está andando na rua. No meio do caminho, ela vê um velhinho jogado na calçada, precisando de ajuda.
Você tem que adivinhar se essa pessoa vai parar ou não para ajudar o velhinho. Você não sabe nada sobre ela. Para lhe ajudar na tarefa, você tem direito a fazer uma única pergunta sobre essa pessoa.
Qual pergunta você faria?
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Quando eu faço essa brincadeira, geralmente as pessoas querem saber coisas relacionadas à educação, religiosidade ou classe social do sujeito ("ele tem boas condições financeiras?"), ou sobre seu passado ("ela já ajudou alguém antes?"), ou sobre seu caráter ("ela é uma pessoa boa?").
São perguntas boas. Só que são as perguntas erradas.

Em 1973, os pesquisadores John Darley e Daniel Batson realizaram um experimento que originou o artigo científico "From Jerusalem to Jericho": a study of situational and dispositional variables in helping behavior ("De Jerusalém a Jericó": um estudo das variáveis situacionais e internas no comportamento. O nome vem de um trecho do Novo Testamento, conhecido como a Parábola do Bom Samaritano.
30. [...] Um homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu nas mãos de ladrões que, depois de o despirem e espancarem, se retiraram, deixando-o meio morto. 31. Por uma coincidência descia por aquele caminho um sacerdote; quando o viu, passou de largo. 32. Do mesmo modo também um levita, chegando ao lugar e vendo-o, passou de largo. 33. Um samaritano, porém, que ia de viagem, aproximou-se do homem e, vendo-o, teve compaixão dele. 34. Chegando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho e, pondo-o sobre o seu animal, levou-o para uma hospedaria e tratou-o. (Lucas, Capítulo X)
Os levitas eram responsáveis por atividades religiosas e políticas dos judeus, o que lhes conferia algum poder social. Os samaritanos, por outro lado, eram descendentes de um povo surgido em Israel, mas que não professava a fé judaica. Grosso modo, os levitas eram uma elite religiosa e política dos judeus, e os samaritanos eram desviantes.
Uma interpretação dessa passagem é que nem sempre quem tem mais doa mais. Outra interpretação é que religiosidade não é sinônimo de moralidade.
A interpretação proposta por Darley e Batson é bem diferente. Os professores ponderaram que, enquanto o sacerdote e o levita eram pessoas públicas importantes, provavelmente cheias de compromissos, horários a cumprir e pessoas a encontrar, o samaritano supostamente tinha pessoas muito menos importantes e em menor quantidade a contar que ele estivesse em determinado local em determinada hora. Assim, enquanto o sacerdote e o levita presumivelmente estavam com pressa, o samaritano não.
Por isso, por não estar com pressa, o samaritano teria parado para ajudar o homem, enquanto o sacerdote e o levita passaram direto.
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Em 1977, o proeminente psicólogo Lee Ross cunhou o termo "erro fundamental de atribuição". O erro fundamental de atribuição se refere à tendência humana de atribuir a causa do comportamento de outras pessoas a características internas, como personalidade ou caráter, e largamente ignorar fatores externos, como se ela estava com pressa ou não.
Por outro lado, quando julgamos nossas próprias ações, levamos muito mais em consideração as circunstâncias momentâneas em que estamos.
Se alguém me fura no trânsito, era um babaca, mau motorista, egoísta; se eu furo alguém no trânsito, estava atrasado, com pressa, fazendo algo que geralmente não faço por conta das circunstâncias.
Um dos motivos para isso é que nossas próprias circunstâncias são muito mais salientes para nós mesmos do que para outras pessoas. Nós somos o centro de nossas próprias consciências, e estamos terrivelmente cientes de vários pormenores que nos influenciam a cada momento. Pelo mesmo motivo, por sermos o centro de nossas próprias consciências, estamos muito menos cientes dos pormenores que atingem a maioria das pessoas ao nosso redor.
Nossa preocupação e nosso cansaço são implacavelmente reais, e isso faz com que nossa pressa pareça tão justa. A preocupação, o cansaço e a pressa dos outros não são tão reais nem tão justos assim. Pelo menos não parecem.
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No experimento de John Darley e Daniel Batson, os participantes foram orientados a dar uma palestra em determinado prédio da universidade. Para chegar a esse prédio, eles deveriam andar alguns blocos, entre o local onde receberam as instruções e o local onde aconteceria a palestra. No caminho, topariam uma "vítima" inassistida caída na calçada.
Os pesquisadores examinaram se duas variáveis influenciariam na probabilidade de os participantes pararem para ajudar a "vítima": o conteúdo da palestra que eles dariam (um assunto geral ou a Parábola do Bom Samaritano) e a urgência com que foram instruídos a chegar ao local da apresentação.
O resultado foi que 63% das pessoas que estavam com pouca pressa pararam para ajudar a "vítima", enquanto apenas 10% dos que estavam com muita pressa pararam.
Isso quer dizer que grande parte do que nós fazemos não é simplesmente o resultado de nossas inclinações naturais. O ambiente influencia massivamente nas atitudes que tomamos ou não.
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Esse conhecimento é um transformador de vidas.
Primeiro: para mudar a si mesmo, mude suas circunstâncias. Não confie na sua força de vontade. Manipule seu ambiente de forma que seja mais fácil adotar o comportamento que você quer adotar.
Segundo: você não sabe pelo que os outros estão passando; portanto, seja gentil.
David Foster Wallace, em seu famoso discurso "This is water", propõe-nos a imaginarmo-nos em um carro, parados em um engarrafamento horrível no fim do dia, rodeados de SUVs, exaustos de trabalhar:
"Eu posso passar o tempo no engarrafamento [...] irritado e enojado com todas essas enormes SUVs [...] que bloqueiam pistas, queimando e desperdiçando seus tanques egoístas de 40 galões de gasolina, [...] dirigidos pelos motoristas mais feios, imprudentes e agressivos, que geralmente estão falando no celular enquanto cortam os outros pra avançar meros 10 metros num engarrafamento, […]".
E então nos propõe algo diferente:
"Neste trafego, todos esses veículos parados no meu caminho, não é impossível que algumas dessas pessoas nas picapes já tenham estado em acidentes de carro horríveis no passado e agora acham dirigir tão aterrorizante que seus terapeutas praticamente ordenaram que elas comprem uma picape grande e pesada para que se sintam seguras o suficiente para dirigir novamente. Ou que a SUV que acabou de me cortar talvez esteja sendo dirigida por um pai cujo filho esteja ferido ou doente no banco de passageiros, e ele está tentando levar essa criança pro hospital, e ele está numa pressa maior e mais legítima que a minha – ou seja, sou eu que estou no caminho dele".
Nossa consciência autocentrada exagera sobremaneira tudo que acontece em nossas vidas, tendo nós mesmos como absolutos protagonistas, enquanto dá pouquíssima importância ao que acontece ao nosso redor.
EU estou com fome, EU estou cansado, EU trabalhei o dia inteiro.
Porém, provavelmente a maioria dos seres humanos que dirigem todos esses carros no engarrafamento, dos populares às SUVs, está esfomeada e cansada também. Talvez alguns deles estejam indo visitar um parente no hospital, ou estejam voltando para casa para cuidar do filho recém-nascido que não veem desde a manhã. Muito provavelmente, boa parte deles tem problemas mais ou menos tão graves quanto os seus, e um ou outro tem problemas muito piores.
Por isso, sempre que alguém lhe desagradar ou se comportar de uma maneira que lhe incomoda, pense nessas possibilidades. Você não sabe o que está acontecendo na vida dessas pessoas. Muito provavelmente, elas não são simplesmente pessoas ruins, mas apenas pessoas temporariamente desesperadas, aterrorizadas ou enraivecidas.
Como diz o ditado em inglês, be kind, for everyone is fighting a hard battle you know nothing about; seja gentil, pois todos estão lutando uma difícil batalha da qual você não sabe nada.
Terceiro: você não sabe pelo que os outros estão passando; portanto, acalme-se.
Você não é o único preocupado com seu peso. Nem com sua altura. Nem com suas notas. Nem com o que estão pensando de você. Nem com o que estão falando de você.
As pessoas ao nosso redor estão muito preocupadas com todas essas coisas (e ainda com as dívidas, com o conserto do carro, a mensalidade do inglês, as eleições presidenciais, a lâmpada que tem que ser trocada, o quarto desarrumado, a louça na pia, a viagem que talvez não vai acontecer, o time que perdeu, a conta de água que continua aumentando etc.). Só que, por estarmos imersos em nossa própria consciência, nós não vemos todas essas coisas. Nós vemos apenas os nossos problemas.
Isso já serve para que sejamos gentis, sempre considerando que aquele cara que nos cortou pode ter um motivo muito melhor para estar com pressa do que o nosso.
Mas isso também serve para sabermos que não há nada de errado conosco. Os problemas que você tem são provavelmente bem parecidos com aqueles que eu tenho. Todo mundo está sorrindo nas fotos, sendo simpático no trabalho e saindo para beber no sábado, mas os problemas deles ainda existem e são tão reais para eles quanto os seus são para você.
Não é porque você não vê que eles não estão lá.
Como diz David Cain, don't worry, everybody else is crazy too; não se preocupe, não é só você que está louco (todo mundo está!).
Figura: O bom samaritano (pintura a óleo), de Balthasar van Cortbemde (modificada).