Sobre Pequenos gestos de bravura
- Nícolas Teixeira Cabral
- 17 de jul. de 2018
- 5 min de leitura
Pequenos gestos de bravura foi o primeiro texto a ser publicado neste blog e, até agora, a única ficção. Neste mês de julho ela foi publicada no jornal literário RelevO, de sede em Curitiba (cidade querida) e distribuição em várias cidades no Brasil (inclusive Uberlândia). Obrigado a todos que leram, comentaram e compartilharam.

Esta é minha gatinha. O nome dela é Gatinha.
Escrevi Pequenos gestos de bravura em fevereiro de 2015. Na época, era o melhor texto que eu já havia escrito. Talvez seja até hoje. Eu, pessoalmente, também gosto bastante de Por quem os sinos dobram e de meus textos sobre determinismo e livre arbítrio — estes menos queridos pelos meus leitores.
O primeiro parágrafo de Pequenos gestos fala de "profissionais de saúde" e eu imagino que aqueles que me conhecem associam isso ao fato de eu estudar medicina; a verdade, porém, é que eu ainda não havia sequer sido aprovado no vestibular quando escrevi o texto.
Todo escrito que todo escritor escreve reflete um pouco dele mesmo. Isso é claro. Mas a forma como isso acontece não é tão clara.
Eu me lembro muito bem — na verdade, não tão, tão bem assim, mas relativamente bem — do dia em que a ideia inicial do texto veio à minha cabeça. Eu estava almoçando com meu pai e minha irmã, e ela achou um bichinho na salada dela e ficou por um momento sem saber o que fazer: reclamo, não reclamo, paro de comer, jogo tudo fora, tiro o bicho e continuo o almoço normalmente etc.
Eu, enquanto ela apreciava seu dilema, comecei a pensar em todas as pequenas coisas nojentas que engolimos todos os dias — por querer, sem querer, literalmente, figurativamente. Demorou semanas até que, em uma tarde, eu me sentasse em frente ao meu antigo notebook, que hoje só guarda antigos e-mails de antigas namoradas, e esse texto, e escrevesse Pequenos gestos de bravura em uma hora e meia ou duas.
Gosto bastante da introdução da crônica. Gosto do começar pelos tonsilólitos, por que é algo bem nojento, mas o texto começa de forma mais ou menos técnica: "os profissionais de saúde a chamam de tonsilólito". E aí ele continua como se fosse realmente um profissional de saúde explicando a um leigo: "nossas amígdalas são cheias de crateras, como a lua".
Acho que minha principal inspiração para isso foi Chuck Palahniuk, autor de O clube da luta, O sobrevivente e Vísceras, entre outros. Seus textos são cheios de informações técnicas misturadas com fatos esdrúxulos sobre uma infinidade de temas dos mais diversos. Eu adoro isso.
Não gosto da segunda parte do texto, a parte do fio dental. A ideia a princípio era boa na minha cabeça, mas a execução não me agradou, não. As muitas revisões pelas quais a versão original passou até que eu publicasse a crônica no blog dois anos e meio depois não conseguiram salvá-la. É um trecho do qual eu não gosto, mas sem o qual o texto ficaria incompleto. É igual ao lie-la-lie de Paul Simon em The boxer.
Porém, esse pedaço também serviu para eu trabalhar um pouco o estilo. Gosto da parte "Só que esse que engole, ele não usa fio dental, usa palito", porque a oralidade ficou bem inserida na prosa. Também tirei isso um pouco de Palahniuk, mas acho que não só dele, acho que aí tem um toque pessoal, uma coisa mais minha. Não sei.
Outra coisa que aprecio nesse texto é a paragrafação. São bastantes parágrafos curtos, com uma frase só, que servem meio que como uma conclusão aos parágrafos anteriores. A ideia, na verdade, é servir como se fosse uma piada, como se fosse aquela frase curta que o engraçadinho da turma joga depois que alguém termina de falar algo. Uma punchline.
Isso também é um pouco de Palahniuk.
Depois, começa o filé mignon do texto...
Primeiro, o amigo do qual eu falo não existe. É cem por cento imaginário. Inclusive a namorada dele, e a sogra também. Como eu disse, o fato da salada ocorreu comigo, minha irmã e meu pai.
Também é inventada essa aula de Botânica I. Eu coloquei isso exatamente para meus conhecidos não acharem que era uma história real — porque realmente não é! Eu escolhi Botânica I porque imaginei que seria uma matéria do curso de agronomia. E escolhi agronomia porque na canção Tu és o MDC da minha vida, Raul Seixas diz: "na faculdade de agronomia, numa aula de energia, bem em frente ao professor".
Gosto de como reproduzi a oralidade nos três parágrafos seguintes. Coisas como "ele foi lá almoçar domingo; não sei se era domingo, mas ele foi lá almoçar" e " quando ele começou a falar, nossa, fulana, isso aqui tá muito bom, olhou para o garfo e...". Sabe? Misturar a narração com a fala do personagem, sem marcar nada, deixar o texto corrido. Eu gosto disso.
Agora, por exemplo, uma coisa que é verdade: eu adoro seriguela. Coloquei no texto porque é uma fruta que, apesar de deliciosa, nem todo mundo conhece, e eu tenho ótimas lembranças com ela. A despeito dos bichos.
Tem uma frase muito singela na sequência, mas é uma das minhas partes preferidas do texto:
Nós comemos larvinhas todos os dias sem saber. Menos eu, porque eu não como salada.
"Menos eu, porque eu não como salada". Tá bom, talvez eu esteja exagerando; mas essa crônica é meu bebê, e eu só posso falar dela com muito carinho. Eu adoro como essa frase mostra a personalidade moleque do narrador, que começa falando sobre como os tonsilólitos se formam nas irregularidades da amígdala e de repente está se gabando de não comer salada. O que, aliás, já soa bem infantil.
Não gosto muito do parágrafo:
Infelizmente, o namoro não deu certo. Depois disso, o cara não se conformou do nojo da namorada com algumas coisinhas.
A ideia foi boa, mas a execução foi ruim. É, já era...
As primeiras pessoas que leram e opinaram sobre o texto, a quem agradeço muitíssimo, tiveram opiniões divergentes sobre o uso de "boceta" e "perereca". Eu realmente não sei o que acho. Eu não gosto de escrever "palavrões", apesar de dizê-los mais do que deveria, coisa em que estou a trabalhar. Mas não tinha como contornar isso. Ia colocar o que, "vagina"? Não dá.
A comparação da larva com o papel higiênico é uma parte que faz muita gente rir. Eu gosto do "uma coisinha branca e comprida no meio de uma superfície enrugada". Porque é realmente isso, não é?
Algumas pessoas já me disseram que ficaram um pouco "paranoicas" com o papel higiênico depois de lerem meu texto. Eu tirei a ideia de um comentário que li no Facebook lá pelos idos de 2015. Alguém tinha perguntado o que fazia os homens broxarem e uma mulher comentou que o marido dela disse que já broxara mais de uma vez por causa do tal do papel higiênico. Imagina ele indignado: "ah, não, de novo, não, pode colocar a roupa".
Loucura...
Agora vou publicar este texto sem revisar, porque está tarde e eu quero publicar logo. Quero publicar logo porque há tempos não publico. Não publico há tempos porque me enrolei, porque era fim de semestre e porque fiquei cansado. Mas vou repor as semanas perdidas.
Abraço! Obrigado a você, que me lê.