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L'esprit de l'escalier e as catecolaminas

Chuck Palahniuk, autor do Clube da luta, é um de meus escritores favoritos. Suas obras são cheias de informações fúteis sobre vários assuntos, técnicos e populares. No Clube da luta, por exemplo, ele ensina a fazer bombas com material caseiro. No conto Guts, ele nos apresenta o esprit de l'escalier, i.e. o "espírito da escada".

L'esprit de l'escalier se refere ao momento em que você pensa a resposta perfeita que deveria ter dito aquela hora, mas que agora já não pode mais dizer. Sua origem é um ensaio de Diderot, filósofo francês do século XVIII:

"L’homme sensible, comme moi, tout entier à ce qu’on lui objecte, perd la tête et ne se retrouve qu’au bas de l’escalier".

Em tradução livre:

"O homem sensato, como eu, tomado pelo que lhe contrapõem, perde a cabeça e não a recupera senão ao final da escada".

O "final" da escada, na verdade, seria seu degrau mais baixo. A explicação é que Diderot estava em um jantar na casa de um político e o jantar era tido no "piso nobre" (piano nobile), o lugar onde os ricos da época recebiam seus convidados. O piano nobile geralmente ficava no segundo andar das residências. Assim, depois de alguém fazer um comentário que deixou o sujeito sem palavras, ele saiu do salão e desceu as escadas para ir embora. Apenas no fim da escadaria, já no primeiro andar (térreo), ele finalmente pensou na resposta que deveria ter dado.

O espírito da escada é dessas coisas que pensamos que só acontecem com a gente, mas que na verdade é tão prevalente que há até uma expressão para isso. Todo mundo já passou, provavelmente muitas vezes, pela situação de ouvir alguém falar algo humilhante ou insultante e não conseguir pensar em uma resposta boa o suficiente, ou de não conseguir articular a réplica perfeita a um argumento em um debate. Normal, afinal, somos animais sentimentais: ficamos nervosos e nossa cabeça disfunciona. Pouco tempo depois, remoendo dolorosamente o momento, a resposta perfeita vem à mente, o argumento matador se mostra... Mas aí já é muito tarde; já passou, já passou, quem sabe outro dia.

Nós já falamos um pouco aqui sobre a enzima catecol-O-metiltransferase (COMT). Eu passei muito, muito tempo sem saber o que o O da sigla COMT significava. No manual de psicofarmacologia do Stahl e em quase todos os textos científicos que li, a forma expressa da enzima COMT era simplesmente "catecol-O-metiltransferase", sem explicação para o que significa esse "O".

Na Wikipedia em inglês, alguém escreveu que "o 'O' no nome significa 'oxigênio', não 'orto'". Eu nem havia pensado em "orto" como explicação para o "O", mas obrigado pelo esclarecimento.

Como eu não acredito em nada além do que duvido, tentei checar a informação. Fato é que, fui descobrir depois de algum tempo procurando, "O" não significa nem "orto" nem "oxigênio". "O" na verdade nem é "O", a não ser que consideremos que "B" é "beta" e que "A" é "alfa" e assim por diante. "O" na realidade, segundo a melhor fonte que consegui, é a letra grega "omicron" maiúscula, que é idêntica ao nosso "O", mas que não o é. O que significa esse "omicron", você pergunta? Não faço ideia; você espera respostas que eu não tenho, mas não vou brigar por causa disso.

A enzima COMT é responsável pela degradação extraneuronal de catecolaminas (dopamina, que nos interessa mais, e noradrenalina), principalmente no córtex pré-frontal. O gene que codifica a enzima COMT possui uma variação em que um único aminoácido é trocado por outro, o que faz com que a enzima seja até quatro vezes mais eficiente em um dos genótipos. Se a enzima é mais eficiente em degradar dopamina, sobra menos dopamina no córtex pré-frontal.

Pessoas que tem a variante menos ativa da enzima (a variante "Met", de "metionina", o aminoácido variável) possuem mais dopamina no córtex pré-frontal, o que, segundo testes experimentais, resulta em um processamento de informações mais eficiente durante tarefas de funcionamento executivo que recrutam o córtex pré-frontal dorsolateral. Essa maior eficiência cognitiva seria ainda protetiva contra a esquizofrenia.

Talvez, inclusive, o processamento cognitivo mais eficiente das pessoas com a variante "Met" prediga um risco menor de sofrer de l'esprit de l'escalier. Afinal, elas seriam mais capazes de pensar em uma boa resposta lá na hora, na lata, e não depois de descer do salão.

Acho que entendo o que você quis me dizer, mas existem outras coisas a considerar. Quando estamos em uma situação estressante, como no caso de alguém publicamente nos ridicularizar ou refutar muito bem nosso argumento, os níveis de dopamina no córtex pré-frontal dorsolateral aumentam. E a nossa capacidade cognitiva é regulada por um fino equilíbrio de catecolaminas nessa região do cérebro; ou seja: dopamina de menos é ruim, mas dopamina de mais também atrapalha. Conseguimos nosso equilíbrio cortejando a insanidade.

E aí quem tem a variante "Met" está em desvantagem. No estresse do momento, o aumento dopaminérgico de quem tem a variante "Val" (a variante mais ativa da enzima) eleva a dopamina a níveis ótimos de performance cognitiva, enquanto o aumento de quem tem a variante "Met" eleva a dopamina a níveis altos demais. Assim, em situações de estresse, a eficiência de processamento de informações é maior na variante "Val".

Assim, apesar de normalmente menos cognitivamente eficientes, os portadores da variante "Val" da enzima COMT são mais "espertos" sob pressão. Portanto, especulemos, devem estar menos sujeitos ao espírito da escada do que seus irmãos "Met".

Figura de Joanbanjo.


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