top of page

O problema de Bolsonaro não é (apenas) o racismo; é a incompetência

Faz muito tempo que decidi que não iria me envolver nas discussões políticas da internet. A principal razão é simples: eu e todos os meus potenciais interlocutores não entendemos praticamente nada de política, economia, jogos de poder de Brasília etc. Segundo, para não perder tempo infrutífero nas redes sociais. Terceiro, para não me indispor com pessoas que quero bem.

Mas agora não dá para não me envolver.

Como diz Bezerra da Silva, a necessidade me obrigou. Domingo, depois de passar com sucesso um acesso central na Clínica Cirúrgica II (uhul!), descobri com pesar que Bolsonaro tinha quase 50% dos votos para Presidente do Brasil, e que disputaria o segundo turno com Haddad.

As eleições estão, bem dizer, decididas. Bolsonaro será nosso próximo presidente. Mas ainda sinto a urgência de destilar aqui as razões pelas quais Haddad seria um presidente melhor que ele.

O problema de Bolsonaro não é (apenas) o racismo; é a incompetência

Todos nós sabemos que Bolsonaro já fez várias declarações machistas, racistas e homofóbicas, e que ele até se orgulha disso. E há pessoas que votam em Bolsonaro exatamente por isso.

Porém, existem muitas pessoas — a maioria de seus eleitores, acredito eu, já que os bons são maioria — que não votam em Bolsonaro por isso, e que inclusive se incomodam com essas características. Eles votam em Bolsonaro porque acreditam que ele é uma opção razoável ao PT, e que é capaz de ser um bom governante para o Brasil, melhorando a economia, favorecendo a segurança pública e valorizando a família.

E eu pretendo mostrar exatamente que Bolsonaro não tem competência para fazer nada disso.

***

Eu gosto muito de psicologia. John Dunlosky é um psicólogo que estuda como as pessoas aprendem as coisas, como adquirem habilidades. Segundo John Dunlosky:

The best way to think about, "Will I be able to do something well in the future," is to simulate it in the present. Without a good simulation, we're really going to make a lot of mistakes about our own abilities and how we will perform in the future.

Em tradução livre:

A melhor forma de pensar sobre “eu serei capaz de fazer tal coisa bem no futuro” é simular no presente. Sem uma boa simulação, nós vamos errar muito [ao prever] nossas próprias habilidades e nossa performance no futuro.

Ou seja, não tem como saber realmente se você será capaz de fazer bem algo amanhã — uma apresentação na faculdade, um jogo de handebol, uma corrida em Interlagos, ou a chefia de governo de um país — se você não simula e pratica isso hoje.

Como diz minha mãe, de boa intenção o inferno está cheio. Como diz meu pai, querer não é poder.

***

Outra coisa interessante que eu sei e que será útil quando pensarmos em quem votar no segundo turno: as ações passadas de uma pessoa são o indicativo mais confiável de suas ações futuras.

Por exemplo, se você tivesse que fazer uma única pergunta sobre uma pessoa para depois prever se ela doará sangue no futuro, qual a pergunta que lhe dará o maior índice de acertos?

Essa pergunta será: "Você já doou sangue?". Essa pergunta é mais confiável até do que "Você pretende doar sangue no futuro?".

Ou, se você quer saber se um futuro presidente do Brasil será "pulso firme" contra a corrupção, você pode perguntar: "Em 27 anos de Congresso Nacional, você combateu ativamente a corrupção? Em 11 anos de Partido Progressista, você denunciou alguma maracutaia de um dos partidos mais corrompidos do Brasil?".

Se ele responder que não, muitíssimo provavelmente ele não combaterá a corrupção quando for presidente.

Spoiler: a resposta honesta de Bolsonaro às perguntas anteriores seria "não".

***

Bolsonaro se formou na AMAN, escola militar que forma oficiais para o Exército. Depois graduou-se em educação física e tornou-se mestre de saltos pela Brigada de Infantaria Paraquedista.

Nessa época, os superiores de Bolsonaro relataram que ele "deu mostras de imaturidade ao ser atraído por empreendimento de 'garimpo de ouro'. [...] Deu demonstrações de excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente". Segundo o superior de Bolsonaro na época, o coronel Carlos Alfredo Pellegrino, Bolsonaro "tinha permanentemente a intenção de liderar os oficiais subalternos, no que foi sempre repelido, tanto em razão do tratamento agressivo dispensado a seus camaradas, como pela falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos”.

O capitão entrou na política após ser preso por escrever um artigo na Revista Veja criticando os baixos salários dos oficiais do Exército. O texto foi publicado em 03 de setembro de 1986:

Como capitão do Exército brasileiro, da ativa, sou obrigado pela minha consciência a confessar que a tropa vive uma situação crítica no que se refere a vencimentos. Uma rápida passada de olhos na tabela de salários do contingente que inclui de terceiros-sargentos a capitães demonstra, por exemplo, que um capitão com oito a nove anos de permanência no posto recebe – incluindo soldo, quinquênio, habitação militar, indenização de tropa, representação e moradia, descontados o fundo de saúde e a pensão militar – exatos 10.433 cruzados por mês.

Na época, 1986, o salário mínimo era 803 cruzados. 10.433 cruzados equivaliam 12,99 salários mínimos, que é menos do que um trabalhador brasileiro receberá em um ano inteiro se não houver 13º salário, como o vice de Bolsonaro sugeriu que deveria ser feito. Esses 12,99 salários equivalem a 12.394 reais hoje. E Bolsonaro achava pouco.

A polêmica do caso permitiu que ele se elegesse vereador pelo Rio de Janeiro em 1988 e deputado federal em 1990. Desde então, ele se reelegeu deputado federal seis vezes; até hoje, pertenceu a nove partidos diferentes.

Nesses 27 anos de deputado federal, entre 1990 e 2017, o deputado conseguiu aprovar dois projetos de lei e uma emenda à Constituição, o que dá uma média de 0,11 projetos aprovados por ano de mandato, ou seja, um projeto a cada nove anos.

Além do comodismo de se reeleger repetidamente deputado federal eleição após eleição e da incompetência de não conseguir aprovar quase nenhum projeto próprio em 27 anos, Bolsonaro é, posto simplesmente, um político ruim. Segundo a revista Época, o capitão é “praticamente irrelevante no jogo político de Brasília – Bolsonaro não é consultado por parlamentares e líderes dos partidos e nunca teve influência nas [nove] legendas por que passou”.

Em contraste, Haddad estudou Direito no Largo de São Francisco, é mestre em economia e doutor em filosofia, todos pela Universidade de São Paulo (USP), com uma temporada do mestrado passada em uma escola do Canadá. Em 1997 começou a dar aula no departamento de ciências políticas da USP e a partir de 1998, trabalhou de consultor na Fundação Instituo de Pesquisas Econômicas, onde criou a famosíssima “Tabela FIPE”.

Começou na vida pública em 2001, como chefe de gabinete da Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico de São Paulo do Governo Marta Suplicy. Depois, foi assessor especial do Ministério do Planejamento, secretário-executivo do Ministério da Educação e Ministro da Educação. Criou o ProUni, o FUNDEB (do antigo FUNDEF), o IDEB, o SiSU e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia. Estipulou o piso salarial nacional dos professores, aumentou o investimento público em educação de 3,9 para 5,1% do PIB e estabeleceu o ensino fundamental de nove anos.

Em 2012, foi eleito o Prefeito de São Paulo. Durante seu mandato, implementou políticas agressivas de mobilidade urbana, aumentando as linhas de transporte coletivo e as ciclovias, fazendo com que São Paulo passasse do 7º lugar entre as cidades mais congestionadas do mundo em 2013, para a 58ª posição na medição de 2015.

Jair Bolsonaro ficou 27 anos na Câmara dos Deputados e aprovou a média de um projeto a cada 9 anos. É insensatez pensar que, da noite para o dia, ele ganhou a capacidade de ser um bom governante para o Brasil. Bolsonaro nunca conseguiu ser líder do próprio partido!

Haddad, por outro lado, ocupou diversos cargos executivos: chefe de gabinete, secretário-executivo, ministro e prefeito! Ao contrário de um deputado, que pode escolher ser uma liderança e fazer as coisas acontecerem ou se omitir e apenas lutar pela reeleição, Haddad fez sua carreira em cargos executivos e de liderança: ele não tinha a opção de se omitir.

Antes mesmo de entrar na vida pública, Haddad mostrou-se um executor competente ao criar a Tabela FIPE. Nesse tempo, ele era professor universitário da USP, universidade mais consagrada do Brasil.

Já Bolsonaro, antes da vida pública ele mostrou sinais, como seus próprios superiores notaram, de tremenda ambição com o enriquecimento próprio: foi preso por reclamar do salário dos oficiais do Exército, já que achava absurdo um capitão receber “apenas” 12,99 salários mínimos por mês (12.300 reais em valores atuais).

Jair Bolsonaro teve quase três décadas para se provar um gestor ou, no mínimo, um político competente; ao invés disso, ele apenas provou ser folgado, acomodado e desequilibrado. Haddad, por outro lado, ocupou diversos cargos executivos e criou diversos programas, alguns reconhecidos mundialmente por sua qualidade.

O discurso raivoso e superficial de Bolsonaro angaria votos, enquanto sua importância e sua produção parlamentar foram, durante 27 anos, insignificantes. É como um cachorro que late muito, mas não morde. O problema de Bolsonaro não é apenas o machismo, o racismo, a homofobia, e a defesa da tortura e da ditadura; o problema de Bolsonaro é, além de tudo, a incompetência.

FIM DA PARTE 1


bottom of page